O ultimo fim de semana
Decido fazer uma pausa nesta tortura e abandono por momentos o restaurante onde me encontro. Cá fora no frio gélido da noite fumo um cigarro. O fumo entra-me nos olhos misturando-se com um rio de dor que desce agora pelo vale que é a minha face. A batalha está perdida e o que eu achava ser a cor dos meus dias já fugiu e deixou-me como protagonista de uma BD a preto e branco onde os limites da quadrícula apertam numa sufocante tomada de consciência de solidão. Não sei o que fazer, a minha cabeça explode de emoções, desilusões, angustias e medos. Sinto raiva da vida, sinto ódio da sociedade, a mesma sociedade que me levou ao Olimpo e depois com um sorriso maquiavélico me enviou ao purgatório. Numa decisão quase masoquista proponho a mim próprio mandar a toalha ao chão mas não sem antes viver as minhas últimas 48 horas de paraíso.
Volto para dentro e conto-lhe a minha decisão. Nada de conversas, nada de medos, receios, dúvidas ou desconfianças. Apenas e só eu e ela, longe de tudo, de todos e do mundo durante 48 horas, um fim-de-semana a dois como se o resto do mundo parasse para nos contemplar e admirar o amor que iríamos viver pela ultima vez. Num gesto calmo e seguro abanou a cabeça concordando com a minha ideia. Sem perdermos tempo pagamos o jantar mal comido e partimos para a primeira das nossas ultimas noites.
Após uma paragem forçada seguimos para a casa que tinha partilhado connosco alguns dos nossos melhores e mais tórridos momentos. O frio que se fazia sentir naquelas divisões vazias era esquecido pelo calor que emanava agora dos nossos corpos e pela luz que brilhava nos nossos olhos. Como se nada se tivesse passado deixamo-nos cair apaixonados nos braços um do outro. Com uma suavidade de cetim deslizamos os nossos corpos jovens e sedentos de paixão num bailado colorido de beijos, carícias e abraços. Os beijos pareciam eternos, olhei-lhe nos olhos e senti-me pela primeira vez na noite feliz. O quarto estava agora aceso, o encarnado da luz encaixava no vermelho das nossas faces. Nada ficou como dantes e no espelho, naquele espelho que eu tinha aprendido a sentir, vi-a sorrir. Esgotados deitamo-nos e adormecemos. Antes de desfalecer cansado abri os olhos e beijei-a com o meu olhar enquanto dormia e chorei.
De manhã partimos, o meu coração estava acelerado, como que a viver os últimos momentos, as ultimas batidas e o quisesse fazer como nunca o tinha feito. Dei tudo de mim nessas 48 horas. Recordo-as como se de uma vida se tratasse, como aqueles minutos fossem horas e as horas fossem dias. A comida soube a mel e as ruas cheias de gente eram ondas que me acariciavam num banho edílico e único. Eu sabia que iria acabar, tal como sabemos que um dia vamos morrer mas ignorei o fim. Os nossos corpos atingiram o auge numa dança de sons e sensualidade. Numa pista cheia estávamos sozinhos, o suor confundia-se com a emoção e a nossa pele misturava-se beijando de forma erótica. De fronte de todos fugimos ao mundo e naquele momento fizemos o melhor amor de todo o tempo que tivemos juntos. O resto da noite foi quente, tal como a relação mas nada jamais ganharia a esse momento, essas duas músicas eternas que duraram uma vida e que não morreram na mudança de disco do dj. O seu corpo haveria de descansar sobre o meu nessa noite, foi a nossa ultima noite, o meu ultimo sono, o seu ultimo suspirar junto ao meu pescoço. Lembro-me do seu dormir, de contemplar o seu rosto, o seu olhar sonhador e o seu sorriso. Podia ter morrido ali, naquele momento que conquistaria a eternidade.
Numa despedida intensa partilhamos cultura, prazeres, caricias e paixões. Deslizamos montanhas e abraçamo-nos conscientes dos últimos momentos que tínhamos. Regressamos, ao mundo, ao nosso mundo que o destino quis que fosse diferente. Doeu muito aterrar mas eu já sabia que nada fica no céu para sempre. Eu tinha tido o meu fim de semana, tinha vivido a vida em 48 horas e tinha chegado a minha hora. Ainda hoje quando fecho os olhos, no meio das lágrimas, consigo visualizar o quarto, a cidade, sentir os seus cheiros e odores e como algo único sinto-a a ela, o quente da sua respiração, a força da sua paixão pela vida, o calor do seu sorriso, o brilho dos seus olhos e a intensidade do seu corpo. Sei que para ela fui um Verão, um momento que nos aquece mas que termina com o mudar do calendário e lamento-o, lamento-o profundamente mas a vida é assim, só nos ensina com as derrotas e algumas pagamo-las bem caro e sem hipótese de compensação ou re-match.
Eu tive o meu weekend in heaven naquele momento mas tenho-a em todos porque na imaginação não há calendários e no sentir não há limites e hoje num raio de sol, num toque de vento eu sinto-a, em cada corpo que acaricio e beijo sinto-a, em cada palavra oiço-a e no final vou sorrir porque em mim ela não morreu e sei que mesmo não por mim algures o mundo vai receber o seu sorriso.