Thursday, November 16, 2006

Um dia de chuva

Da minha janela não vejo a rua, não vejo nada mais que paredes verdes, plantas verdes e armários em tons de verde, salvam-se as molduras dos quadros que são em castanho, de uma madeira pobre o que aliás condiz com as fraquíssimas imitações que limitam. O tampo da minha secretária é verde e as cadeiras, obviamente, são verdes. Até a caneta com que assino os documentos é verde. No meio de tanto verde, e não sendo eu vegetariano, não que tenha alguma coisa contra essa raça de gente mas nada me convence a abdicar de um fantástico naco na pedra ou mesmo magret enrolado em molho semi natado. Além disso estas fantásticas criaturas têm a mania de acumular o seu repúdio por tudo o que não seja verde com a luta incessante e massacrante pelo direito dos animais. Que não haja confusões, tenho alguma simpatia por animais, em especial por cavalos, mas traço limites. Como é que essas mentes iluminadas propõem que se faça farinheira ou morcela, esses dois tesouros da gastronomia portuguesa, se não se sangrar o porco? Ou o famoso arroz de pato servido em pote de barro, como é que se mata o pato? Com uma intravenosa? Mas há coisas que me deixam ainda mais com os cabelos em pé. Já alguém viu um desses seres a beijar na boca os seus animais? Será que eles sabem que os gatos e os cães se lavam usando aquela língua? E quando digo que se lavam é em todo o lado. Confesso que isso me tira do sério. Essas pessoas beijam os seus “amantes” de quatro patas em tudo o que é sitio. Querem saber o que ainda é pior que isto tudo, é tudo isto mas feito por um homem. Vocês já viram um homem com um gatinho ao colo a dar-lhe beijinhos na cabeça? Haverá coisa mais abichanada? Caríssimos, um homem a viver sozinho com um bichano e a dar-lhe festinhas, beijinhos e a pôr-lhe o leite na serradura é gay, é tão gay que provavelmente até a m**** do gato usa calças de cabedal.

Bom, mas voltando à janela, realmente não a vejo mas hoje até agradeço por isso. O dia está triste, de um cinzento inarrável. Não é um cinzento qualquer, é daqueles enevoado com um ar pesado, de quem não tem prazer em ver o sol e carrega nos transeuntes o peso do seu desassossego. No meio de tanta escuridão, faço um esforço e observo quem passa. A paisagem é exuberante. A primeira personagem que se cruza com o meu olhar é uma senhora. De média estatura, exibe uns cabelos loiros encharcados em água oxigenada e com algo estranho escuro que com o tempo consegui perceber serem as raízes. Tento-me concentrar no que aquela mulher possa estar a pensar no meio daquela chuva e abstrair-me ao mesmo tempo da sua patética figura. Pela forma como segura no cigarro e pela escolha ridícula de vestuário, rapidamente concluo que não pode estar a pensar em muito e que o vazio do seu olhar é apenas um reflexo do vazio que enche aquela cabeça. Sigo o olhar e deparo-me alguns metros mais à frente com um casal. De mão dada e olhar cruzado, mostra uma cumplicidade que me seduz e que me faz recordar todas aquelas coisas bonitas em que tento acreditar. Naquele momento, e aí sim, a aparência dos dois era irrelevante, embora ele tivesse sapatos de pala castanhos, no fundo de um fato preto e com a ponte a ser feita por meias azuis. Se estivesse um pouco de sol no meio daquela chuva quase que poderíamos ter um homem arco-íris. Mas enfim, deixemo-nos de análises superficiais e vamos ao que interessa. Eles realmente pareciam apaixonados. Depois olhei melhor e reparei que ela tinha aliança e ele não. Não quer dizer nada mas fez-me levantar o sobrolho. Com um olhar mais cuidado reparei que ela não me era estranha e ao fim de algum tempo, não muito, visto o meu cabelo loiro não me atrapalhar o raciocínio, lembrei-me de onde a conhecia. Era a mulher do dono do restaurante onde de vez enquanto almoço. Mais uma desilusão mas enfim a vida é assim.

Perante tal cenário recolho para dentro do meu espaço. Prefiro nem sequer ver mais nada e deixar o cinzento do dia brilhar sobre os tristes que à chuva vagueam.

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