Tuesday, March 28, 2006

O Mundo na mão

Queria ter o mundo na mão mas não a abri com convicção suficiente. Nasci com sonhos e fantasias, cheio de vida, cheio de força, ilusões imensas de projectos e paixões. Encarei a vida com olhos altivos e cedi a uma tentação fácil que me corrompeu e destruiu por dentro. Faltou-me humildade, determinação, caracter enfim mas a loucura de ter o mundo não me deixou ver. Queria ter o mundo na mão mas fechei-a à primeira contrariedade e fiz um punho à vida.
Chorei de raiva e paixão, fugi com ódio e ilusões quebradas e não quis ver quem me quis agarrar. Agredi a vida e esta fechou-se para mim, ninguém dá o primeiro passo e o jogo do puxa e empurra faz com que os punhos continuem cerrados. Queria muito poder abrir as mãos mas tenho medo, mas medo de que? Da vida? Dos punhos dos outros? Nada magoa mais que a força das nossas mãos quando fechadas, nada magoa mais que não sentir o Sol na palma da mão, não sentir uma lágrima ou simplesmente uma folha que caí sobre a nossa pele. O sangue pulsa em toda a sua força junto ao pulso como que forçando os dedos a esticar-se mas o cerebro não deixa, não quer, morre de medo de perder o falso equilibrio em que repousa, morto, num coma profundo e incosciente como que ignorando o mundo e todos os que o rodeiam.
Queria ter forças para abrir as mãos mas tenho cordas que me amarram e não sou capaz de desatar o nó sozinho. A vida não deve ser vivida a um mas não se deve evitar faze-lo só para não viver assim. Cabeça levantada, orgulho em nós e naqueles que amamos e dizer que os amamos sem vergonha ou medos e gritar alto para a vida, não com arrogância mas com dignidade, não exigindo vassalagem mas sim respeito. Quero muito abrir as mãos e já estão semi abertas e em cada olhar do Sol, em cada flor de Primavera, em cada lufada de ar de Verão que respiro vou abrir mais e mais. Nos amigos vou ganhar forças, na família vou ganhar sorrisos, no amor vou ganhar brilho nos olhos, na carreira vou ganhar um peito elevado e em tudo isso vou ganhar uma vida. E tudo isto está ao alcance e basta só abrir a mão e segurar como quem segura uma criança o mundo, o meu mundo, o mundo dos outros, o mundo de todos.

Friday, March 24, 2006

Apetece-me dançar


Hoje acordei a apetecer-me dançar. A chuva escorria na janela batendo de leve no vidro num ritmo calmo e madrugador. Os olhos, ainda semi-cerrados, brincavam com a luz que agora nascia no quarto, provocando em mim uma fuga para debaixo dos lençois. Estava calor dentro da cama e o frio que lá fora fazia pressionava-me a ficar. Por fim, um som agudo e incomodo estalou nos meus ouvidos. A frieza horária do despertador não perdoa e como que tentando por alguma responsabilidade naquela pintura fez-se ouvir em toda a sua plenitude.
Levantei-me e apeteceu-me dançar. Fugi rápido debaixo de outra água, uma água quente, boa que reconforta o espirito e prepara o corpo para o dia que começa lá fora. A espuma invade-me a pele amaciando o meu karma e dando algo de fresco ao ambiente. Termino enrolado na turca que é toalha e volto a fugir depressa e sem olhar para trás de volta ao meu quarto.
Apetece-me dançar mas a pressão da escolha é agora mais importante. Abro o guarda fatos e olho, imóvel e de forma fixa, olho para todas as opções sem conseguir mexer um musculo. Tanta escolha, tantas formas e nenhuma me faz sentir a paixão. Agarrei-me a uma camisa com ternura num rasgo de ilusão e aconcheguei-a a mim aquecendo-me e saindo dali por segundos. O resto vai por arrasto e nem me volto a preocupar como se uma camisa automatizasse tudo o resto. Deixo a gravata para último, aliás decido que só a ponho no carro. Fujo de nós desde sempre e hoje apetece-me tanto dançar que quero fujir mais uma vez.
Como qualquer coisa já a correr e empurro tudo com um copo de sumo. O estomago não é principe de manhã e nem a fome me consegue fazer as coisas de forma diferente, lentas, apaixonadas, minhas. De casaco já vestido sigo para o carro e no meio de uma chuva meiga faço-me ao caminho. A música dá-me o seu som com generosidade e eu retribuo aumentando o volume. Apetece-me tanto dançar.
Dançar é algo mágico, único, especial. É partilhar algo de intimo. Dançar a dois é viver a vida numa musica. Naquele momento tudo à volta desaparece enquanto se partilha uma gota de suor que escorre enquanto os cabelos se tocam numa volta mais apertada. Os peitos tocam-se e sentem-se os corações um contra o outro. Chega-se a corar num suave toque de mãos. As pernas entrelaçam-se num bailado moderno, contornado por paixões ardentes e fortes e as ancas, ah as ancas, essas deixam-se morrer nas mãos do companheiro.
Com o som forte nos ouvidos fujo do carro e navego numa dança a dois que naquele momento até consigo cheirar. Lá fora tudo pára, nada interessa, tudo fica a preto e branco porque toda a cor fugiu para aquela musica, para aquele momento único, para aquela dança que partilho com quem teve a coragem de me dar a mão.
Ah, hoje acordei com tanta vontade de dançar...