Saturday, July 22, 2006

Salsa

A escuridão domina a sala ampla e vazia no seu centro. Nem uma luz, uma simples luz paira sobre o soalho de madeira, que em perfeito estado recebe quem o pisa. Em segundos angustiantes, o silêncio quebra com profundidade as dezenas de olhos que à volta se concentram numa luta pelo melhor lugar. Finalmente, ao fundo, o choro de um violino começa a dar cor à noite e uma pequena luz realça as formas de dois corpos admiravelmente encaixados. A acompanhar a lágrima do violino a mão do bailarino desce pelo rosto escondido da companheira, acariciando toda a sua face e percorrendo o seu pescoço, num gesto de ternura e sensualidade. Aos poucos os tons vão ganhando corpo e o que começou por ser um choro triste e tímido de um violino torna-se agora numa melodia ainda lenta de uma orquestra completa.

A cintura feminina começa então a moldar-se na música balanceando o seu corpo ao sabor do ritmo marcado pela percussão. O homem indiferente a tudo isso, mantinha a sua pose firme, cedendo apenas nas investidas da sua mão pelo corpo da companheira. De repente uma batida mais forte foi marcada pelo acender das luzes que cobriram toda a sala quase ferindo quem de perto assistia. Os pés bateram no soalho e as mãos alinharam-se numa perfeita harmonia. De olhos nos olhos, num jogo de sedução intenso, partiram à conquista da pista num ritmo arrebatado e electrizante. A medida que as voltas iam sendo desenhadas o vestido, completamente decotado nas costas e demasiado provocador, fazia sonhar os homens que embevecidos contemplavam. Piruetas, voltas, saltos, tudo fazia parte da coreografia, perfeitamente ensaiada e levada a cabo com a emoção de quem sente paixão. Um salto mais arriscado, levou-a a colocar os joelhos nos seus ombros lançando-se para trás e desprendendo o seu bonito cabelo em direcção ao solo. A assistência prendeu por segundos a respiração numa ansiedade descontrolada acompanhando a magia daquela dança.

Indiferentes a tudo, o casal seduzia-se, tocando-se e acariciando-se a cada volta mais chegada, sempre comandadas pela firmeza das mãos masculinas que de forma gentil mas firme assentavam na base das costas da companheira. A música acelerou num refrão e numa tripla pirueta ela saiu disparada em direcção a uma das mesas de onde tirou um cubo de gelo de um dos baldes do champanhe. Olhou-o nos olhos e sem parar de o seduzir com a cintura trincou o gelo deixando-o em seguida escorrer pelo generoso decote. Com passos soltos e coordenados ele avançou para ela desafiando-a com o olhar e provocando-a com o peito. As suas cinturas roçavam-se agora em movimentos coordenados, numa espiral de emoção que transpirava de dentro dos seus corpos e prolongava-se por toda a sala. Os instrumentos de sopro ficavam mais agudos e a voz do cantor anunciava o fim e num ultimo passo ele passou-a por baixo do braço, segurou-lhe na cintura e colocando a sua perna em volta do seu corpo deixo-a deslizar sobre ele. A música parou, os corpos sossegaram e durante dois segundos apenas o barulho do ar se conseguia ouvir na sala, até que irrompeu um estrondoso som de palmas que de forma sentida explodiram de todas aquelas mãos. Suados e de sorriso aberto ambos agradeceram e trocando um beijo de carinho abandonaram a pista deixando um toque de classe, paixão e sedução. A música continuou e a pista foi de novo invadida, desta vez por todos que continuaram a festa até de madrugada.

Thursday, July 20, 2006

Falam-me à alma

Falam-me à alma sobre emoções, sentidos dispersos que se propagam no meu ar, dormindo em meu redor e acordando-me do mais profundo dos sonhos. O que é isso do sentir? O que é isso de chorar ou sorrir? O que provoca em nós tantas emoções, tantos vibrares e tantos arrepios no estômago. Às vezes gostava de ver o mundo pelos olhos de uma criança, puros, imaculados, desprendidos de preconceitos e vícios, os mesmos que turvam a visão adulta das coisas, dando uma lógica maquiavélica a cada toque, a cada som, a cada palavra. Olho para o mundo que me rodeia, tento achar no vento a brisa de uma paixão, ou no sol o calor de uma emoção, ou num bago de chuva o frio de uma lágrima. Tudo em vão, o mundo está despido de emoções, hoje jogam-se estratégias, combinam-se resultados e tudo tem o seu porque. Nada acontece ao acaso, ninguém age por impulso e já ninguém beija com paixão desinteressada. A pureza que outrora povoava a terra morre com cada criança que cresce na vida.

Leio a alma das pessoas e tento ganhar esperança, tento ver para além do que mostram, muito para lá do que a vida nos quer fazer acreditar. Palavras como ambição, poder, dinheiro, influência, são hoje clamadas em surdina. Amizades são traídas, famílias são destroçadas, amores são rasgados e amantes apaixonados caiem na tentação da via mais fácil. Para onde caminhamos, para onde estará o nosso futuro? Recuso-me a acreditar na inevitabilidade do calculismo, na frieza, no racional, recuso-me a acreditar que exista algo mais forte que aquele beijo sentido, dado com o prazer de quem ama, sem nada em troca que não um olhar apaixonado. Tenho a certeza que não existe força maior. Mas então porque não triunfam as emoções? Porque não vence o coração a batalha que a sociedade parece querer impor? A estas perguntas confesso considerar-me impotente para responder. Não aceito desculpas, não aceito pressões e estilos de vida, não aceito frases feitas ou clichés, só quem nunca amou pode ser tão hipócrita e ridículo. Mas há piores, há aqueles que amando repudiam esse mesmo amor em troca de uma decisão racional, de um contrato ou um acordo melhor, em que uma paixão é trocada por aparências, por luxos e opulência, que não pode terminar em cenários melhores que a demência, a desgraça e a tristeza.

Quando verá a sociedade que a felicidade não se compra ou não se negoceia, mas sim sente-se e luta-se por ela até ao fim das nossas forças. Ah como eu troco todos os luxos pelo beijo apaixonado de quem amo. Que importância ridícula tem todas as roupas, as jóias, os carros ou as casas, quando tudo isso é partilhado sem sentido, sem emoção, sem paixão. Acho que a sociedade nunca irá mudar, haverá sempre alguém a envenenar a poção mágica do sentir. Acho mesmo que esta é uma batalha perdida e quixotesca mas nenhuma outra me dá tanta força para lutar como esta. Por nada mais neste mundo me apetece lutar que não pelo sentir de um corpo que treme quando lhe toco, por uma língua que fica húmida quando me vê chegar, por uns olhos que se iluminam com o perfume da minha voz. Morria por isso, se Deus me deixasse, morria por isso, tal como morro e renasço em cada beijo, em cada carícia, em cada sentir, porque até ao fim vou acreditar que mais forte que todo o dinheiro do mundo está a força do sentir de uma emoção, mesmo que eu não a veja, mesmo que só a minha alma saiba o que isso quer dizer.

Friday, July 14, 2006

Esposa???

Ontem à noite, em plena Praça de Toiros do Campo Pequeno, e no intervalo da corrida, fui surpreendido por uma notícia que confesso me apanhou desprevenido. Uma amiga informou-me que uma terceira pessoa de conhecimento comum, não só já tinha casado como esperava um filho, fruto, diz ela, desse matrimónio. Ora tudo estaria bem não fosse a pessoa em causa das mulheres mais feias que conheci até hoje. No meu tom habitual de brincadeira, e até porque estava entre amigos, não pude de deixar escapar um trocista: “Afinal há mesmo milagres”. Tal afirmação indignou a minha amiga que imediatamente contrapôs com um abanar forte de cabeça, alegando que essa pessoa tinha imensas qualidades. Foi então que o melhor dialogo começou. Chegamos à conclusão unânime que ela não possuía beleza, charme ou capacidade de sedução, de seguida concluímos que também não possuía sentido de humor e finalmente acordamos que a carreira também era perfeitamente normal. Foi então que a frase da noite apareceu: “Ela é uma excelente esposa”. Não consegui evitar uma gargalhada, confesso que se calhar fui inconveniente mas larguei uma daquelas sentidas gargalhadas perante tal afirmação. Já nem vou contestar o facto de odiar a palavra esposa, existe marido e mulher, agora esposa é algo que me torce as tripas, mas até dou de barato, o que me fascinou foi o conceito. O que seria isto de ser uma óptima esposa.

Debrucei-me imediatamente sobre o assunto, de tal maneira que quase perdia a entrada do Patusco, terceiro e último toiro da primeira parte. O que será uma boa esposa? Será uma boa amiga? De certeza que sim, mas se ele a queria pela amizade escusava de ter casado com ela. Depois passei à análise da possibilidade de ser uma boa companhia, mas aí ele também a podia manter apenas como amiga. Seria uma parceira de interesses comuns? Não, não podia ser isso, há montes de gente com interesses comuns. Seria por ser uma boa mãe? Mais uma vez não, ele ainda não sabe essa resposta e definitivamente não sabia quando casou. Foi então que largaram a velha frase masculina “é uma boa dona de casa”. Caríssimos, mais uma gargalhada fortíssima, se foi por causa disso deixou-lhe duas soluções ou contrata uma empregada ou aprende a fazer as coisas, seja como for tal motivo não requer sacrifícios. Foi de tal maneira espremida a questão que chegamos à conclusão que não existia nenhum motivo para aquela escolha, até que a minha amiga deu-me o motivo que me estava a faltar no raciocínio, o marido tinha 130 kg. Última e monumental gargalhada, é que a senhora em causa deve ter 1.50m e pesar 45 kg, afinal ele julgava é que não conseguia arranjar ninguém melhor, e se calhar não. Nesta fase resumiu-se tudo ao meu argumento preferido: “só se estragou uma casa”. Aliás agora que analiso bem eles complementam-se: ele chega aos armários, ela chega às gavetas; ele dá com os pés no fundo da cama, ela dá com os pés na cintura dele; ele afunda-se ao sentar-se no sofá, ela saí projectada do sofá sempre que ele se senta; ele puxa o banco todo para trás para conduzir, ela mesmo assim continua a caber no lugar atrás dele.

Claro que podem alegar que fui demasiado insensível, frio, quiçá bruto mas quem me conhece sabe que sou gozão por natureza e não consigo deixar de pegar em tudo o que me provoque uma gargalhada, até quando isso implica gozar comigo mesmo. A verdade é que me senti aliviado por tal noticia pois em tempos a dita moça tinha já tentado uma relação comigo e nessa altura a única coisa que eu desejava é que ela encontra-se alguém, pelo vistos esbarrou em alguém e são felizes e isso é que interessa e combinam os dois tão bem, vistos de lado até parece que estão os dois grávidos o que revela grande sintonia entre o casal. Quanto ao cerne da questão, ou seja, o que é ser uma boa esposa, fiquei sem resposta mas espero sinceramente que quando for a minha vez de responder à pergunta “porque é que estás com essa pessoa?” eu possa simplesmente dizer “porque não me imagino com mais ninguém senão com ela..

Wednesday, July 12, 2006

Mais uma pérola

Não consigo resistir a partilhar mais uma pérola do jornalismo português. Na minha habitual rotina de leitura matinal, na qual passo os olhos por todos os diários, a minha atenção foi de repente atraída para uma notícia de primeira página, dada com honras de foto de corpo inteiro no habitual tablóide que enche as bancas de Lisboa todas as manhãs. Segundo o jornalista Ana Malhoa, uma cantora filha de José Malhoa, também ele cantor, despiu-se para uma sessão fotográfica na Internet. As fotos teriam sido tiradas pelo próprio marido e colocadas no site da cantora cobrando esta a quem as quiser visualizar. Perante isto fiquei em estado de choque. Caríssima Ana Malhoa, já não era mau o suficiente ter de levar com as suas músicas e agora ainda vem as fotos. E já agora quem é que vai pagar para ver? Seria sem dúvida uma investigação interessante, se se colocasse um inquérito no formulário de adesão ao site. Aposto que os resultados iriam demonstrar que o perfil de pessoas a frequentar este local negro da net seria algo do género: homem luso, entre os 40 e os 50 anos, de bigode farfalhudo e unha grande, que liga as frases através da palavra “portantos”, diz “prontos” para começar as frases e ainda usa expressões como “o comer” e “prefiro a Ana Malhoa do que a Madonna”. No interior profundo, esta reportagem e as suas fotos vão fazer concorrência à mais linda das ovelhas que vai agora sofrer nas próximas semanas visto que o assédio vai ser superior e vão ser chamadas de Ana o que obviamente irá incomodar a ovelha. Já não bastava a violação e ainda tem de ser confundidas como uma cantora pimba que nas suas musicas faz versos rimando “paixão” com “traição” ou “amor” com “calor” actuando em grandes palcos de espectáculos como Arriais de Cima ou Altrujão, em famosos concertos completamente cheios e com mais de 50 espectadores. Depois de parar um pouco e acalmar um pouco o meu riso de quem se diverte com aquilo que faz andar este país resolvi mudar de jornal. Erro grave, o matutino que se seguia era o Correio da Manhã e as estatísticas não enganam. Na edição de hoje pode-se encontrar: 7 assassinatos, incluindo o assassínio de uma sexagenária pelo próprio bisneto usando como arma o bico de uma galinha, 15 violações, 4 sessões de espancamento infantil, 3 escândalos sexuais, 23 reportagens sobre telenovelas da TVI e duas fotos de transsexuais depressivos com a mania que são a Merche Romero. Desisti, fechei todos os jornais e nem o título atractivo do DN me puxou, voltei aos fundamentais e virei-me para o Diário Económico e para por o meu dia na normalidade li umas cotações. Perante este cenário às vezes questiono-me: porque gasto eu meia hora da minha madrugada a ler jornais?

Friday, July 07, 2006

Uma noite em Nova York

A inquietação da solidão quebrava o silêncio da noite. Sozinha naquele enorme apartamento, sentia-se pequena e insignificante e desesperava por um diálogo que não o do silêncio. Do lado de fora das enormes vidraças a cidade pulsava a um ritmo acelerado. As luzes dos enormes arranha-céus rasgavam o horizonte e lá em baixo um autêntico corrupio vagueava por entre as ruas. Quase que dava para sentir o bater de Nova York e ela precisava disso mais que tudo mas ele não havia meio de aparecer. Preparou um martini enquanto esperava junto à lareira. Seco, ela gostava deles secos, apenas com uma azeitona e directo como um shot. Os minutos passavam e os pensamentos de inquietação e preocupação passavam agora a raiva. Não queria acreditar que ele tinha cumprido a promessa de não ir. Como era possível se ela tinha preparado aquela noite até ao último pormenor.

Decidiu sair, mas não sem antes trocar de roupa. No quarto de vestir tirou em segundos o bonito vestido que tinha e escolheu umas calças pretas, bem justas, coladas de tal maneira ao corpo que não usou nada por baixo para não ficar a marca. Para o conjunto estar completo escolheu um top preto, com alguns apliques prateados e sem costas apenas preso como por magia através de finíssimos fios que se atavam junto à cintura. Nos mamilos pôs adesivos para não se tornarem indiscretos e retocou o peito com a mesma base que lhe dava cor à face. Deu um ar rebelde ao cabelo e soltou um perfume fresco no seu pescoço, deixando escorrer por entre o peito até morrer suavemente na barriga meio desnudada.

Desceu no elevador ao som de Sting e chegada à portaria pediu um táxi. Ao entrar ainda olhou para trás numa leve esperança mas perante o vazio da rua entrou sem hesitar. “56th street na Village” pediu em tom seguro. O táxi arrancou imediatamente e o condutor, um paquistanês de turbante laranja e barba por fazer nem questionou o pedido. A 56th estava na moda, um novo bar lançava a tendência para a noite nova iorquina. Pelo caminho ainda teve tempo de passar pela Quinta Avenida e ver junto à Igreja o local onde pela primeira vez se beijaram. Virou a cara e preferiu ver as montras enquanto se lembrava de uma fantástica camisa que tinha visto em Central Park. Já na Broadway divertiu-se a olhar para os casais, que apaixonados começavam a noite. Lembrou-se do seu primeiro namorado e daquele beijo fantástico com a Estátua da Liberdade como testemunha. Finalmente o táxi parou. À porta uma fila enorme de pessoas amontoavam-se para conseguir entrar. Saiu sem grande preocupação, o cargo que ocupava tinha-lhe valido um cartão de cliente e em menos de um minuto a passadeira encarnada era pisada pelos seus finíssimos saltos de agulha.

Passado o detector de metais uma sala enorme se abre perante os seus olhos. O som está altíssimo com uma música de dança com batida de bateria e completada por um magnífico solo de saxofone em tons afro. O ambiente é fantástico, cheio de glamour e bom gosto. Numa primeira observação lança o olhar às roupas das adversárias da noite para o título de mais sexy da noite. Solta um sorriso quando repara que está no ponto e apenas uma miúda dos seus vinte anos com um corpo escultural a faz soltar um pouco de veneno, mas rapidamente se recompõe e se relembra que não se troca por nenhuma miúda de vinte anos. Avança para o bar passando ao lado da pista, onde a meia-luz corpos semi-suados dançam ao som da noite. Depois de alguns toques mais chegados consegue chegar ao bar onde um jeitoso barman, com uns ombros do outro mundo a recebe com um sorriso. “Um vodka, puro com pouco gelo”. A bebida é servida com novo sorriso e o gelo parece pouco para arrefecer o quente da noite. De copo na mão vira-se para a pista e por entre dois golos sente já o corpo a dançar. Decide fazer-se à pista e em segundos já está no meio a dançar de braços no ar, sentido o ar a entrar pelo top. A atmosfera está escaldante e os corpos tocam-se num bailado de sedução e erotismo. Saído do nada um moreno alto, de olhos azuis turquesa lança-se na sua frente. Está de t-shirt branca e umas jeans da moda. Nos pés uns ténis castanhos da Prada dão-lhe o toque de requinte que ele nem necessitava. Os olhares tocam-se e ao sabor dos tambores, que batem cada vez com mais força, os corpos começam a alinhar-se. Os movimentos são ritmados, marcando cada batida e cadenciando o toque das mãos. De forma atrevida, sente a mão dele passar-lhe pelo cabelo e não evita um sorriso. Bebe mais um pouco e aproveita para molhar os lábios num dos cubos de gelo já meio derretido mas suficientemente frio para lhe gelar o corpo. Sente um arrepio a percorre-la e mais fica quando de costas para ele sente o seu corpo de encontro ao seu.

Ao fim de duas horas de música, dança e sedução e de algumas vodkas vê-se animada a conversar ao sabor de um saboroso café e de um muffin. Repara agora que além de giro é interessante. Está perto dos trinta, claramente bem sucedido e bem resolvido com a vida. Independente, preocupa-se mais em ouvi-la do que em contar-lhe as suas histórias e toca-lhe, ela já tinha perdido a noção de como é bom ser tocada e ele fá-lo com delicadeza na sua mão e nas suas costas. O seu sorriso é lindo, e ele não o esconde a cada frase dela. A conversa prolonga-se sem manter a noção do tempo e só pára com o raiar do dia. Cansada decide regressar a casa e ele oferece-se para a acompanhar. Aceita e recebe também o seu casaco que lhe protege agora as costas de um pequeno vento matinal. Quinze minutos depois estão à porta de sua casa. É aquele momento horrível em que parece que a barriga gela e o cérebro pára bloqueando as palavras com sentido. Apetece-lhe beijá-lo mas não consegue deixar de pensar em como começou a noite e no homem pelo qual ainda sente amor. De sorriso aberto ele resolve-lhe o problema com um beijo na face e uma palavra delicada o que ainda a faz desejar mais um beijo. Resiste e toca-lhe apenas uma última vez no seu cabelo enquanto lhe devolve o casaco que ele agradece cheirando o seu perfume. Entra no elevador a sorrir e cansada tira os sapatos ainda na porta de entrada. Chega ao quarto despe-se devagar e nua sobre a cama dá uma última olhadela sobre a cidade e sussurra “thank you New York”.

Thursday, July 06, 2006

Algures num avião

Sentado no banco de trás do avião não pude deixar de reparar naquele casal. Ele de casaco azul com botões dourados, camisa encarnada às listas e calças chino de cor safari, culminava o conjunto com uns sapatos vela castanhos e um fio de prata discreto por dentro dos botões semiabertos da camisa. De cabelo com gel preto a cara já marcada por grandes almoços escondia dois olhos castanhos-escuros bem guardados por duas sobrancelhas carregadas e farfalhudas. Ela era singela. Com um vestido verde água, bem cintado e com um decote generoso deixando a sonhar o mais distraído dos homens. As costas desnudadas lançavam raios de sedução por toda a cabine e nos pés uns sapatos provocantes com um belíssimo salto de agulha. No pulso um relógio discreto nos mesmos tons que o finíssimo fio que lhe adornava o pescoço. O cabelo, de um castanho aloirado combinava na perfeição com uns magníficos olhos verdes que inundavam o avião de luz. Os seus lábios carnudos faziam adivinhar beijos quentes, dados algures no mediterrâneo, sob um sol cúmplice e abrasador.

Olhando para os dois notava-se um certo distanciamento. Ele preocupado em manter um status já há muito perdido e ela concentrada em tentar ser feliz, procurando nos pormenores aquilo que não recebia nos restantes momentos. Até na escolha das bebidas estavam em patamares distintos, ele com o seu whisky a tentar marcar uma aristocracia que decididamente não existia e ela com um sumo de laranja com apenas uma pedra de gelo, refrescante, íntimo e doce. O voo estava calmo, sem grandes oscilações nem preocupações e por isso pude concentrar-me neles. De repente, talvez por volta do Equador, ela deu-lhe a mão num toque discreto e suave mas marcado de intenção. De forma fria ele não se apercebeu e não deixou de tirar os olhos da assistente de bordo que com menos 20 anos que ele falava com uma passageira três filas mais à frente. Era ridículo, mas acho que todos os homens o são mais tarde ou mais cedo. Ela no entanto mantinha-se serena, como se a sua segurança fosse algo adquirido por anos e anos a saber-se especial. Lançou o cabelo para trás, perfumando a minha fila e desviou o olhar para a janela onde as nuvens serviam agora de cama ao nosso avião.

Depois de mais umas horas em silêncio e de alguns desencontros nos olhares uma voz metálica veio interromper o sono que se fazia sentir. Era o comandante. Num inglês hilariante, digno de um prémio de humor, anunciou o início do processo de aterragem. Lá em baixo algumas casas e muito verde começavam a surgir no horizonte. O avião abanava agora um pouco mais e ela procurava no seu braço o conforto que a cadeira não lhe dava. De forma inexplicável ele continuava sem a sentir. Senti vontade de me levantar, de o abanar de forma firme e de lhe fazer ver a tristeza que ela espelhava nos olhos, mas não podia, não o devia e definitivamente não o iria fazer. Com as asas bem abertas e as rodas apontadas para baixo, descemos rapidamente numa aproximação perfeita e sem sobressaltos. O embate na pista fez-se com pompa e a travagem projectou-me na direcção do seu perfume. Era sem dúvida de uma classe inquestionável, um charme afrodisíaco. Tiramos as malas e descemos do avião. Já no terminal, enquanto aguardávamos a chegada do nosso transporte, ele puxou de um charuto, gasto e de baixa qualidade, e acendeu-o molhando-o sem o mínimo jeito. Ela, visivelmente incomodada, manteve-se ao seu lado, como desde o primeiro dia, mostrando todo o carinho que ainda sentia por ele. O calor era insuportável, e a humidade marcava a roupa no corpo de todos. Ele abriu ainda mais a camisa, mostrando os poucos pelos que de dentro nasciam. Ela manteve a pose, mostrando uma classe ímpar. Afastei-me para o meu carro e lembro-me de pensar como às vezes a vida juntava pessoas tão diferentes. Olhei uma última vez para eles e não pude deixar de sorrir ao ver a forma terna como ela, sem ele se aperceber, lhe deu a mão.

Tuesday, July 04, 2006

Bom dia, bom dia, bom dia!!!

Bom dia, bom dia, bom dia!!!! Hoje apetece-me gritar bom dia, mas não um bom dia qualquer, daqueles de encher os pulmões, abrir os olhos e atingir o topo do prédio mais alto com um só grito. Não me perguntem porque me sinto assim, não há razão aparente, aliás até já adivinho que mais tarde ou mais cedo os meus problemas vão voltar para me preocupar mas até lá quero comemorar este dia. Começo por escolher uma gravata encarnada, sempre achei que usar encarnado era uma quase afirmação. Há países onde esta cor é ofensiva em reuniões, outros é sinal de virilidade, mas seja o que for é uma afirmação. Depois da gravata vem a camisa, azul claro, como só podia ser a combinar de forma discreta com o azul-escuro do fato. Os botões de punho são pequenos, com um discretíssimo símbolo da marca gravado em tons de prata. Os sapatos são pretos da cor do cinto e das meias, nunca percebi aquela mania portuguesa de combinar as meias com o cinto ou nem sei bem com o que. Falta o cabelo, confesso que é o que me dá mais trabalho de manhã, secar e pentear o cabelo. Ponho-me em frente ao espelho e dou-lhe duas puxadas para trás e para o lado. Como já era de esperar não me obedece mas insisto, desta vez aplico-lhe o secador, com a máxima força e a dois centímetros da raiz. Agora fica espetado. Desisto, lanço-lhes as mãos e puxo para onde quero, sem grande sucesso é certo, mas fica como está, tem personalidade própria e eu não o vou contrariar. Já vou a sair disparado quando me lembro de meter qualquer coisa à boca. Olho para a cozinha tipicamente masculina e na caixa do pão um queque olha de lado para mim. Nem é tarde nem é cedo, penso, e antes que ele me fuja deito-lhe a mão. Já no carro arranjo uma última vez a gravata, coloco o relógio, paixão antiga e pela qual tenho especial carinho, e num toque fashion ponho os óculos escuros numa clara demonstração de sentido de moda. Na estrada divirto-me com a cara tristonha dos outros condutores, parece que o acordar é algo que os deixa inevitavelmente mal dispostos. A excepção é uma senhora que sorri para o filho que vai atrás, enquanto se pinta, se penteia, se perfuma e conduz, tudo ao mesmo tempo. Eu aliás a este propósito tenho uma sugestão a fazer, na minha opinião os fabricantes de carros deveriam pensar num kit maquilhagem inserido na consola do veiculo e que se activaria com o simples toque de uma mão feminina. Teríamos o essencial baton, mas também a sombra, a base, o risco para os olhos, o perfume e claro o fio dental, tudo bem acondicionado e protegido das crianças. Chegado ao banco ligo o pc e este reage com um “good morning dr. Bruno. You have 107 new messages”. Não ligo, estou bem disposto e não quero saber, vai ser mais um dia difícil mas o que é isso quando se está de bem com a vida. Bom dia, bom dia, bom dia!!!

Monday, July 03, 2006

Uma tarde na falésia

Um fio de luz correu pelo vidro do carro encandeando-me e ao mesmo tempo aquecendo-me a face. Ao fundo o azul do mar quebrava o horizonte e na falésia apenas o vento me acompanhava. Distraí-me a observar o recorte da costa, com as suas entradas e rochas, numa cor castanha especial e marcada pelas ondas que de forma gentil morrem naquela parede escarpada. Um bando de pássaros sobrevoa o meu carro e caí picado sobre o mar tentando acertar com o bico nalgum peixe mais distraído. À direita um pequeno areal branco, límpido e vazio nasce no meio de uma baía. A praia não está ainda marcada e decido descer para sentir os grãos de areia nos meus pés. Descalço avanço marcando com pegadas firmes o quente areal que se estende diante de mim. As ondas estão a dormir, fazendo apenas uma pequena espuma branca dando um brilho especial a um azul transparente e apetecível. De sapatos na mão aproximo-me do mar e quando a humidade já toca nos meus dedos pego num seixo e atiro-o com vontade contra o ar. Três vezes bateu na crista antes de morrer no fundo. O vento parece que percebeu e respondeu com uma pequena rajada que atirou o meu cabelo para trás e refrescou-me a cara com salpicos frios daquela água.

Recuei e em areia fofa decidi sentar-me e curtir o sol. Brinco com a areia fazendo-a passar por entre os meus dedos enquanto finjo que a tento agarrar na mão, fechando-a com muita força e deixando os pequenos grãos fugirem aos poucos e poucos. O sol estava agora mais forte batendo de frente nos meus olhos. Deitei-me de costas e fiquei a observar o céu. Não sei quanto tempo passou, perdi-lhe a conta mas sei que pareceu que o tempo parou e apenas fiquei eu e o sol num turbilhão de pensamentos e questões que me assolavam o espírito, inquieto e impulsivo. De olhos fechados sentia cada aragem, cada sopro do vento e cada onda que rebentava agora com um pouco mais de força na areia. O sol avisou-me da chegada do fim da tarde e com uma vontade nula levantei-me e afastei-me, sorrindo, do mar. Já com os pés na rocha comecei a subir em direcção ao meu carro, sozinho e abandonado no cimo da falésia. A viagem pareceu uma eternidade, subindo, subindo, pelo meio de rochas, calhaus e pedras. O suor escorria-me pela face e pelo peito e o cansaço relembrava-me a minha falta de forma. Finalmente num pulo desesperado atingi o cimo da escarpa e à minha frente o carro repousava. Entrei e já com o ar condicionado ligado deixei o rádio invadir o habitáculo. Que som fantástico, que magia musical ecoava agora. De forma forte as colunas debitavam agora um sentido blues onde uma guitarra chorava acompanhando a voz negra do cantor. Emoção, sinto sempre uma emoção quando oiço aquela guitarra.

O barulho do motor faz-me subir a adrenalina e sinto na ponta do pé a força do carro. Ele já se quer ir embora mas eu ainda lanço um último olhar para aquele mar que recebe agora o sol, adormecendo longínquo no horizonte. Encaixo uma primeira e num arranque rápido faço-me à estrada. O pó que levanto relembra-me aventuras passadas e paragens distantes. Divirto-me provocando pequenas derrapagens traseiras e ainda antes de chegar ao asfalto faço um semi peão sentido uma liberdade imensa agarrada nas minhas mãos. Já na estrada abro a capota e deixo a lua e o vento fazerem-me companhia na viagem de regresso. Não está frio mas mesmo assim ligo o ar condicionado para o quente e aqueço o banco. A noite está fantástica, estrelada e limpa como uma verdadeira noite de verão. Faço a viagem devagar, sem pressas, brincando com as curvas da estrada e aproveitando cada km da paisagem. De regresso à cidade sou recebido por uma guarda de honra, com o Mosteiro de D. Manuel de um lado e a Torre dos Navegadores do outro. Numa avenida despida de carros tiro as mãos do volante e deixo o destino me conduzir. O rio lança-me olhares de pecado e as luzes da velha Lisboa jubilam com o meu regresso. Até o castelo se iluminou para esta noite e das suas muralhas fios de luzes descem para me acompanharem. Subo a um Chiado cheio de vida e perco-me num mar de gente em busca de um local de descanso. Numa imensidão de ruas e ruelas acho um pequeno recanto, pacato, tão típico como um bairro lisboeta, onde o fado e o chouriço são reis numa noite onde as estrelas me acompanham sem nunca me negarem o seu brilho. A voz potente de uma fadista acompanha o bife do meu jantar e nas notas que se soltam das cordas de uma guitarra sinto arrepios que me percorrem a espinha e humedecem-me os olhos. Por entre duas músicas devoro uma farinheira assada. Que sabor, que textura, não há nada que se compare à cozinha lusa e aquela farinheira merecia um prémio culinário. De alma cheia oiço um último fado e com a imagem de toiros e forcados na cabeça decido terminar a noite. A caminho de casa oiço Mariza. Fado comercial dizem uns, cantora da moda dizem outros mas nada me importa, só tiro sentimentos daquelas letras e arrepios daquela voz. Pouco tempo depois estou em casa, acendo a lareira e deito-me na rede, transportando-me imediatamente de volta aquela praia. No baloiçar do destino ainda tenho tempo de ligar o leitor de cd’s mas já nem acabo de escutar a primeira música. Cansado e feliz adormeço saboreando pela ultima vez na noite a farinheira e escutando as ondas com que comecei o meu dia.

Sunday, July 02, 2006

Queria...

Queria ganhar o mundo numa jogada,
De cartas, dados ou roleta.
Não queria ser o careta,
Que naufraga e fica na jangada.

Queria ser grande por um dia,
Queria correr, saltar e vencer.
Lutar e nunca morrer,
E segurar a vida com magia.

Queria ser grego ou fariseu,
Jornalista, político ou actor.
Queria estar nu sem ter pudor,
E cantar ópera num coliseu.

Queria ganhar o teu amor,
Ser o louco que te faz feliz,
Queria beijar-te no nariz,
E sentir no peito o teu calor.

Queria tudo isto e muito mais,
Queria beijar-te cheio de paixão,
Agarrar-te o braço, pedir-te a mão,
E contigo morrer sem nunca ter ais.