Monday, May 22, 2006

Bola de Berlim


Todos os dias acordo com a certeza que é nesse dia que vou resistir de forma estoica. É uma luta sem campo de batalha, nem hora marcada aquela que me defronta diariamente. Por detrás de um fino pedaço de vidro, transparente como água e zeloso do seu conteudo, lá estão elas, pousadas em absoluto descanso como inocentes e carentes almas existenciais que nos olham com olhar de desejo e pecado. A sua forma esguia e libinosa é cor que arde nos meus olhos, ofuscando a minha visão e provocando suores frios no céu da minha boca. Os meus lábios tornam-se húmidos e a garganta como seca ansiando tomá-las como suas. As mãos tremem-me de fervor e nem a aparente calma da minha face disfarça tão profundo nervosismo. Repito para mim próprio palavras de ordem, olho várias vezes para a minha barriga e penso no figado que sozinho luta ingloriamente contra uma fornada de fritos que se lhe são postos em cima sem apelo nem agravo. Os olhos fogem por segundos e a ansiedade aumenta, o coração aumenta a pulsação e o sangue magoa agora ao passar. Toco no vidro frio numa tentativa fugaz de resistir, de limitar a minha acção a um inocente toque que de forma infiel traí a minha vontade de não ceder em troca de momentos unicos de prazer. De dentro do seu mundo ela olha-me ignorando todo este sofrimento e apenas ansiando tornar-se minha e repousar ardente nas minhas mãos. Quando chega a minha vez a voz enfraquece, a garganta falha e até os olhos não são agora capazes de fixar o olhar. Digo não tres vezes e finjo pensar noutra coisa enquanto o gerente da casa me pergunta com uma voz estridente e metálica: "É a do costume?". Que palavras duras, que nível baixo é este, que ritual é este que me não me deixa e obriga-me diariamente a pecar. O meu cérebro pensa uma coisa mas da minha boca, da minha própria boca apenas um pequeno som, quase do volume de um gemido se ouve: "Sim." digo eu envergonhado. Para me embaraçar ainda mais o gerente volta à carga com uma não menos cruel: "Tem preferência?" ao que eu respondo de pulmões vazios: "a maior e mais cremosa." Já com ela nas mãos, seguro-a de forma firme e de olhos nos olhos hesito num último segundo. Milhares de pensamentos me invadem a alma neste momento mas em nenhum deles a palavra pecado encaixa tão bem como no acto que estou prestes a fazer. Rasgo o papel que no bolso das calças gritava por dieta e atirou-me a ela com toda a força que ainda resta no meu corpo. Em poucos minutos faço-a minha e saboreio-a como quem se deleita com o melhor dos sabores. Doce, cremosa, com pedaços de prazer nas suas pontas estaladiças enquanto o seu corpo torneado escorre nos meus lábios. Tudo nela me encata, tudo me seduz e nem a consciencia que me pesa atenua o prazer que sinto naquele momento. Naqueles cinco minutos da manhã, acompanhado por um café curto faço do café um paraíso e da mesa a minha cama. Naqueles cinco minutos esqueço o resto do mundo e dedico-me como um eterno apaixonado à minha bola de berlim.

5 Comments:

Blogger Maria said...

Fiquei com água na boca. Eu até nem aprecio bolas de berlim, nem me lembro da última que comi, mas gostei de provar esta!

22:56  
Anonymous Anonymous said...

Ficas com melhor cara assim, mais gorduchinho!

11:34  
Blogger Marta Vinhais said...

Estou a ver que não resististe!!!!
Deixa lá - eu também não e é bom, não é a sensação???
Um abraço
Marta

17:11  
Blogger Ti said...

Este texto é realmente cruel!
E agora? A esta hora onde é que eu vou arranjar uma bola de berlim?

Rrrrrrr!

22:54  
Anonymous Anonymous said...

Ainda sobrou alguma bola de berlim? oh já cheguei tarde já sei ..... mas apetecia-me mesmo uma, se calhar na joão xxi eh eh eh

02:45  

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