Bola de Berlim

Todos os dias acordo com a certeza que é nesse dia que vou resistir de forma estoica. É uma luta sem campo de batalha, nem hora marcada aquela que me defronta diariamente. Por detrás de um fino pedaço de vidro, transparente como água e zeloso do seu conteudo, lá estão elas, pousadas em absoluto descanso como inocentes e carentes almas existenciais que nos olham com olhar de desejo e pecado. A sua forma esguia e libinosa é cor que arde nos meus olhos, ofuscando a minha visão e provocando suores frios no céu da minha boca. Os meus lábios tornam-se húmidos e a garganta como seca ansiando tomá-las como suas. As mãos tremem-me de fervor e nem a aparente calma da minha face disfarça tão profundo nervosismo. Repito para mim próprio palavras de ordem, olho várias vezes para a minha barriga e penso no figado que sozinho luta ingloriamente contra uma fornada de fritos que se lhe são postos em cima sem apelo nem agravo. Os olhos fogem por segundos e a ansiedade aumenta, o coração aumenta a pulsação e o sangue magoa agora ao passar. Toco no vidro frio numa tentativa fugaz de resistir, de limitar a minha acção a um inocente toque que de forma infiel traí a minha vontade de não ceder em troca de momentos unicos de prazer. De dentro do seu mundo ela olha-me ignorando todo este sofrimento e apenas ansiando tornar-se minha e repousar ardente nas minhas mãos. Quando chega a minha vez a voz enfraquece, a garganta falha e até os olhos não são agora capazes de fixar o olhar. Digo não tres vezes e finjo pensar noutra coisa enquanto o gerente da casa me pergunta com uma voz estridente e metálica: "É a do costume?". Que palavras duras, que nível baixo é este, que ritual é este que me não me deixa e obriga-me diariamente a pecar. O meu cérebro pensa uma coisa mas da minha boca, da minha própria boca apenas um pequeno som, quase do volume de um gemido se ouve: "Sim." digo eu envergonhado. Para me embaraçar ainda mais o gerente volta à carga com uma não menos cruel: "Tem preferência?" ao que eu respondo de pulmões vazios: "a maior e mais cremosa." Já com ela nas mãos, seguro-a de forma firme e de olhos nos olhos hesito num último segundo. Milhares de pensamentos me invadem a alma neste momento mas em nenhum deles a palavra pecado encaixa tão bem como no acto que estou prestes a fazer. Rasgo o papel que no bolso das calças gritava por dieta e atirou-me a ela com toda a força que ainda resta no meu corpo. Em poucos minutos faço-a minha e saboreio-a como quem se deleita com o melhor dos sabores. Doce, cremosa, com pedaços de prazer nas suas pontas estaladiças enquanto o seu corpo torneado escorre nos meus lábios. Tudo nela me encata, tudo me seduz e nem a consciencia que me pesa atenua o prazer que sinto naquele momento. Naqueles cinco minutos da manhã, acompanhado por um café curto faço do café um paraíso e da mesa a minha cama. Naqueles cinco minutos esqueço o resto do mundo e dedico-me como um eterno apaixonado à minha bola de berlim.
5 Comments:
Fiquei com água na boca. Eu até nem aprecio bolas de berlim, nem me lembro da última que comi, mas gostei de provar esta!
Ficas com melhor cara assim, mais gorduchinho!
Estou a ver que não resististe!!!!
Deixa lá - eu também não e é bom, não é a sensação???
Um abraço
Marta
Este texto é realmente cruel!
E agora? A esta hora onde é que eu vou arranjar uma bola de berlim?
Rrrrrrr!
Ainda sobrou alguma bola de berlim? oh já cheguei tarde já sei ..... mas apetecia-me mesmo uma, se calhar na joão xxi eh eh eh
Post a Comment
<< Home