Friday, May 26, 2006

Mergulho no meu mar

A água está fria, gelada congelando os dedos que procuram abrigo numa luva grossa e protectora. Olho para baixo e não consigo ver o fundo de tão escuro que está. Sinto-me cansado, a ondulação bate-me na cara dando-me chapadas violentas sem sentimento algum. Coloco uma mascara usada e deixo-me descer lentamente usando as barbatanas para me impulsionar. Não vejo praticamente nada. Procuro fugir de um mundo que me magoa e me persegue sem piedade e onde a palavra esperança se vulgarizou mas em nada se concretiza. A ondulação está cada vez mais agitada à minha volta e busco incessantemente a luz de um farol que me guie e me leve até porto seguro. Completamente submerso busco a paz que a vida não me deixa ter. Os peixes fogem de mim numa extensão da solidão que sinto no meu dia a dia terreno. Mergulho mais ainda e acompanho a parede de coral, que morto jaz no fundo da praia. O oxigénio que respiro pelo regulador torna-se agora mais denso, pesado de uma vida sem perdão. Olho para as nuvens que por cima do mar dormem e tento ver um perdão, uma mão que me puxe e me faça voltar a viver sem fugas, sem jogos, sem remorsos ou desgostos. Olho para trás e choro, choro pelo que fiz, pelo que sofri e pelo que fiz sofrer. Errei mais do que me era permitido e a vida faz-me agora pagar por isso torturando-me devagar e de forma cruel como um torturador medieval que corta a sua vitima com uma lamina fria e dura, magoando e flagelando lenta e cruelmente.
Olho uma ultima vez para a superficie e viro-me definitivamente para baixo deslizando o meu cansado corpo por entre rochas e pequenas conchas. O peso do cinto leva-me em paz para o leito do meu mar, só, sem ruido nem luz, mas tranquilo, sereno e consciente. Se pudesse teria feito tudo diferente mas já nadei o que tinha a nadar e da forma como as ondas o quiseram, resta-me agora boiar e esperar ser salvo. Respiro profundamente e saboreio cada milimetro de oxigénio como se fosse o ultimo. Sinto-me bem por conseguir voltar a nadar e sonho agora com o meu farol, algures no meu mar, que me aponte para águas tranquilas e transparentes. Desejo esse mergulho com toda a minha força, fecho os olhos e aperto os braços contra o peito e num impulso com as pernas salto da água lançando os braços para o céu na esperança que se abra para mim.

2 Comments:

Anonymous Anonymous said...

é sem duvida um dom que tens, consegui imaginar cada milimetro do teu mar .... simplesmente magnifico!

01:48  
Blogger Maria said...

Lindo!

20:35  

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