Saturday, August 26, 2006

Uma manha de sexta feira

Durante dias não houve inspiração, parecia que as mãos queimavam no teclado e faziam ricochete limpando qualquer ideia que a minha cabeça pudesse ter. Sentei-me várias vezes à frente do ecrã e nada, nem uma linha, nem duas frases, rigorosamente nada. A cabeça estava cheia com preocupações, trabalho e afins mas confesso que a cada dia que passava cada vez sentia mais a falta das letras. Depois de uma noite quase em claro cheguei bem cedo ao computador, sentei-me tirei o casaco e de olhos abertos sobre o branco da página pousei de forma suave as mãos sobre a mesa. Os dedos ansiavam por algo, por alguma coisa que fosse comandada e que se reflectisse no processador de texto.

Passados poucos minutos a alegria de escrever invadiu-me outra vez, não sei se pela escuridão que se pôs à minha volta, se por outro qualquer motivo, o que é certo é que é que voltei a por as mãos nas minhas teclas. Depois de algumas linhas apagadas e de alguns temas riscados das minhas opções matinais decidi ir tomar o primeiro café do dia. Ainda mal passa das 8h30 mas a minha cabeça já precisa e o dia advinha-se longo e difícil. Para hoje algumas reuniões, um almoço de trabalho, um jantar e ainda tenho de tratar de alguns assuntos, além claro da rotina do dia-a-dia. Olhando para a minha agenda apeteceu-me de repente fugir para a praia ou para qualquer lugar longínquo onde pudesse dormir apenas com a minha imaginação.

Ao fim de quinze minutos, um café e um copo de água eis que surge o primeiro telefonema, do outro lado uma voz ainda meio adormecida lançou a pergunta da praxe “Já está em Lisboa? Continua vivo?” confesso não compreender este fascínio mórbido pela minha sobrevivência mas enfim. O telefonema, para não variar era sobre trabalho, alguém não sei aonde, fez não sei o que, o que implica não sei que mais, para não variar nada de interessante ou mundialmente relevante mas enfim tudo conta. Confesso que o café me dá sempre fome e hoje não era excepção e as saudades de um pequeno-almoço com bolos começou a pesar nas minhas decisões matinais. Por fim, e ao fim de uma leitura rápida das noticias da noite, lá me decidi, vesti o casaco, ajeitei a gravata e saí em direcção aquele café onde o dono já sabe o que vou comer mesmo antes de eu abrir a boca. E assim começa um dia que se advinha longo, difícil e acima de tudo massacrante emocionalmente.

Thursday, August 17, 2006

Favas com chouriço

Tenho uma paixão por música. Oiço quase qualquer tipo de som e adoro dançar. Fascina-me o clássico, fazem-me sonhar os românticos, apaixonam-me os latinos e não conheço melhor companhia para acordar que o rock. Nesta miscelânea de prazeres tenho um cantinho especial para a música lusa. Amo o fado e quem o canta com paixão e quanto aos pimba, já alguém se deu ao trabalho de traduzir os lovers estrangeiros? Será que a Ágata se cantasse em inglês seria uma “international star”? Provavelmente não.

No meio de tudo isto há uma figura que se destaca por tudo e ao mesmo tempo por nada. As suas musicas são um misto de foleiro com genial. Dizem os entendidos que tem uma voz excelente, confesso-me incapaz de avaliar mas aprecio a irreverência. Tem uma carreira longuíssima e já deu provas que é capaz de quase tudo, inclusive provocar depressões traumáticas quando decidiu posar nu para uma conhecida revista da época. Falo claro do grande José Cid, esse ícone incontornável da musica portuguesa dos últimos trinta anos que fez a delicia de gerações vá-se lá perceber porque. Quem não se recorda do “Caí neve em Nova York…” ou do regresso do “El Rei D. Sebastião”. Para mim o high light da carreira deste cantor lusitano é a pérola de poesia num dueto romântico onde a musa inspiradora questiona “que posso fazer por ti” e o autor responde naquele seu tom de macho latino “faz-me favas com chouriço”. Favas com chouriço!!! Confesso que são estes momentos de humor que são únicos na musicalidade de José Cid. E só em Portugal poderia um cantor pedir favas com chouriço, na América seria um vulgar hambúrguer, em Espanha uma tortilla qualquer, em Itália uma pizza mas cá não, cá são favas com chouriço.

Para quem não conhece o novo álbum, como eu, deixo a recomendação, José Cid, provavelmente o grande talento desperdiçado dos últimos anos do século passado. Não podia terminar este meu apontamento sobre musica lusitana sem uma referencia ao grupo que mais suicídios e depressões causou com as suas musicas e letras e que manchou a música portuguesa para sempre, falo claro de Delfins essa banda enigmática cuja melhor parte dos concertos é efectivamente o final e cuja a receita de bilheteira deveria sempre reverter para uma organização de deficientes. Para os Delfins o meu muito obrigado por não terem editado nenhum cd nos últimos tempos.

Wednesday, August 16, 2006

O meu mundo...será?

A chuva batia violentamente no pequeno vidro da janela. Nas últimas horas o tempo tinha mudado radicalmente como que adivinhando a minha partida e o meu estado de espírito. O barulho dos motores faziam agora sentir-se em todo o aparelho. Olhei à volta e visualizei de forma prolongada os meus três companheiros de viagem. Tínhamos passado longas horas juntos e nem mesmo as acesas discussões das últimas reuniões nos tinham tirado o sentido de humor. Alexandre (nome fictício que assenta no seu rosto que nem uma luva) ia na frente, quase colado à entrada da porta do piloto e com a cadeira rodada para trás tal como eu. Não nos importávamos de voar de costas e era mais importante olharmos para os nossos companheiros nos olhos. Do alto do seu metro e noventa e um, Alexandre transmitia segurança e tranquilidade. Ele era o homem responsável pela logística, conhecia aquela terra como ninguém e a sua missão era que nada faltasse para que o objectivo fosse cumprido. Tinha olhos pretos, tão escuros como a sua pele, marcada pelo sol e por anos e anos em África. Alexandre não era angolano, mas estava em Angola desde a revolução, tinha entrado com os cubanos e por lá tinha ficado.

À sua frente sentava-se o General, figura imponente, quase sempre fardado e que fazia valer a sua força através do peso das suas medalhas. Tinha 30 anos de combates no corpo e nada o parecia abalar. Era um homem reservado, calmo e com um timbre de voz que impunha respeito. Não admitia leviandades e a mim garantia-me segurança e a certeza de um trabalho bem feito. Nunca nos estivemos em desacordo e quando algo não nos agradava falávamos em privado e tudo ficava sanado. A única coisa que me fazia confusão era o seu gosto por armas e o seu hábito de ser sempre andar com uma, o que confesso me intimidou um pouco nas nossas primeiras reuniões.

Finalmente, na cadeira à minha frente sentava-se Nassim. Indiano nascido em Moçambique era o terceiro numa família de negociantes. Tinha uma habilidade natural para convencer as pessoas. É um homem alegre, sempre com um sorriso aberto e com um sentido de humor mordaz. Grande apreciador de comida oriental, fascina-se pelo luxo e opulência dos grandes restaurantes de Tóquio. Nas reuniões mantêm sempre o seu ar reservado atacando quando a presa parece estar já dopada. De copo na mão, divertia-se enrolando a gravata na ponta dos dedos.

Após a minha ronda pelos meus companheiros, voltei a concentrar-me na minha cadeira e em mim. Peguei no relatório daquilo que nos esperava e preparei-me para lê-lo abrindo-o sobre o meu colo. O nosso comandante anunciou a partida e o pequeno jacto fez-se à pista sobre um vento fortíssimo. Não era nada normal estas condições, em especial nesta altura do ano mas a concentração era tão grande que acho que nada nos afectava naquele momento. O resto da viagem não a posso partilhar, apenas dizer que voamos uma hora e um quarto para norte e aterramos numa pista improvisada que tinha mais buracos que a Calçada de Carriche. Minutos depois a reunião começava e tudo à volta desaparecia, mais uma vez estava no meu mundo e o mundo era meu.

Monday, August 14, 2006

Segunda Feira

A manhã acordou em tons de Verão. Um raio indiscreto bateu na minha janela e mordeu-me o cabelo, fazendo-me cocegas e provocando em mim um sorriso matinal sempre saboroso e especial de sentir. A luz que invadia o quarto fazia-me fugir para debaixo de uns lençois suaves e frescos que me lembro de ter escolhido naquela loja à beira mar num dos meus passeios pela costa de Cascais. Coloquei a almofada por cima dos olhos e rezei para que o tempo parasse e eu pudesse dormir mais umas horas. Nas minhas mãos a fronha ganhava vida e andava de um lado para o outro atrás de uma luz que teimava em brilhar sobre os meus olhos. Finalmente desisti e rendi-me ao inevitável. Empurrei com força os lençois para trás e abracei o dia com um levantar vigoroso e a um só salto.
De pés bem assentes no chão olhei-me ao espelho de frente e ignorei a barriga que começa nascer por baixo do meu peito. Será dos trinta? Se calhar é do vidro do espelho. Descalço avancei para a cozinha onde me apeteceu devorar metade do frigorifico. Afinal de contas era segunda feira e eu tinha de começar a semana cheio de força. Abri a porta e uma embalagem sorriu para mim: donuts, nem mais nem menos. Ainda hesitei na primeira dentada mas após o primeiro pecado todos os outros são perdoados. Lembro-me de ter saboreado o ultimo pedaço de açucar já debaixo do duche que quente caia sobre o meu corpo. Ao passar o gel, com cheiro a praia, voltei a passar a mão sobre a barriga e decidi que algures este ano iria para um ginásio. Depois lembrei-me das horas no escritório, as horas em reuniões, jantares, viagens e afins e cheguei à conclusão que o unico exercicio que irei fazer é o encontro quase religioso das quintas feiras. Já de fato vestido e de chaves na mão dei um último retoque no cabelo que teimava agora em não se fixar caindo de forma ridicula sobre os meus olhos.
Voei para o escritório ao som de salsa e no meio de dois passos dados na minha imaginação passei em revista o que me esperava nas próximas horas. O que se passou de seguida não tem o minimo interesse e resume-se numa palavra: trabalho. O único desejo que tenho atrás desta secretária é que quando sair o sol ainda seja rei lá fora e possa escapar-me até uma esplanada e aproveitar um ice tea de manga. A noite vai ser igual a tantas outras com mais um jantar com clientes. O restaurante é dos mais famosos de lisboa e a ementa vai ser excelente mas muito honestamente preferia um hamburguer no Mac com a companhia certa.

Friday, August 11, 2006

Ode ao destino

Deixo o meu destino para Deus
cansado deixo-me cair
rezo e tremo com os medos meus
que me impedem de sorrir

Na vida sempre lutei sozinho
contra moinhos de ventos e tempestades
com mentiras e honestidades
do Algarve até ao Minho

Do alto da minha pequenez
nunca verguei, nem uma vez
mas com isso não fui feliz
Chorei e perdi batalhas
fui cruxificado pelas minhas falhas
e hoje quero o que nunca quis

Sinto que não há nada porque lutar
entrego as armas, lanço-me ao mar
e pergunto-me se vale a pena
Tento procurar esperança,
nos sinais que a minha vista alcança
e agarro uma alma que não é pequena

Monday, August 07, 2006

Saudades de dormir

Sentei-me ao teclado com os olhos postos na minha alma. Sinto que já está na altura de voltar a escrever, de voltar com tranquilidade a por as minhas emoções à vista, sem medos, sem raivas, sem tremores. Durante este período não me apeteceu escrever, não me apeteceu sentir ou mesmo ler os sentimentos dos outros. Digamos que estive de férias, mas como tudo na vida as férias acabam e chega uma altura em que temos que voltar a vestir o fato e voltar para a rotina do nosso dia a dia. Aos poucos as coisas vão parecendo normais, as cores vão voltando aos pássaros e às flores e até mesmo os cheiros começam agora a surgir com mais intensidade. Tudo num ritmo muito próprio, numa intensidade muito minha e numa intimidade que não partilho.

O meu rosto continua frio, impenetrável perante as barbaridades a que foi sujeito. Continuo a olhar para a vida com aquele calculismo que me habituei a odiar mas sei que tudo é passageiro, tudo é efémero, mesmo as emoções. Aprendi que tudo na vida tem um preço, até os sentimentos, uma aprendizagem dura e continua que me massacrou e me endureceu o coração. Agora, mais maduro, mais calejado na alma, estou mais imune, menos puro é certo, mas mais imune. Estou fechado para o mundo que me rodeia mas sei que até isso um dia se vai quebrar. Um amigo perguntou-me este fim de semana porque é que eu amava tanto trabalhar e me dedicava com todas as minhas forças, agora ainda mais. Respondi com a naturalidade com que bebo um copo de agua: “o trabalho nunca me traiu, nunca me trocou, nunca teve uma agenda escondida e própria, nunca foi calculista, nunca escolheu por interesse, nem nunca me mentiu”. Se tudo fosse trabalho…se tudo fosse trabalho eu não seria feliz mas conseguiria dormir. Ah como eu tenho saudades de dormir.

Tuesday, August 01, 2006

A morte do Eu

Peguei na caneta ainda com a mão a tremer. Parecia que toda a raiva do mundo se tinha abatido sobre mim e destruído a minha alma. Os meus sonhos, as minhas ilusões, as minhas mais profundas crenças, estavam dilaceradas por uma realidade cruel e fria que me cortava sem piedade e me mostrava o lado mais negro do mundo. Apontei a ponta para o papel e procurei dentro de mim algum sentimento que ainda respirasse para o partilhar. Nada, um vazio de emoções enchia-me o peito, pressionando as costelas contra a carne partindo-me os ossos impedindo-me de respirar. A dor é imensa, indescritível. A pele arde-me como se por mil fogos fosse consumida, a própria carne me dói pelo simples facto de tocar nos ossos e os tendões partem-se em cada movimento que faço.

As lágrimas caiem-me agora sem controlo pela cara abaixo, morrendo nas minhas mãos frias e desnudadas, prostradas sobre um corpo que já não ousa sentir. Sinto raiva por chorar, sempre achei que não se deve chorar por motivos que não merecem tal demonstração de emoções. Limpei a cara com o pulso e segurei os cabelos com os dedos já doridos de tanto tremer. As pernas pesavam-me agora toneladas, causando um peso enorme sobre os meus pés que lutavam por se manterem direitos. Tudo à volta perdeu a cor, todos os sorrisos se apagaram, todos os beijos se secaram e todas as emoções morreram num deserto onde apenas a dor e hipocrisia sobreviviam. No ar uma sensação de vazio, de descrédito, de total incredibilidade, não queria aceitar nas frases que ecoavam na minha cabeça, “goza o Verão!”, prefiro nem comentar com medo de todas as ordinarices que provavelmente a minha boca produziria e que não fazem parte do meu ser. Que baixo, que tão estupidamente baixo.

Do alto de tudo oiço os sons que à volta timbres amigos sussurram e recuso-me a acreditar. Se a vida é assim então seja. O que interessa é mesmo dinheiro, glamour, aparências, festas e diversão! Sentimentos? Que é isso? Para que servem? A minha voz explode com a raiva enquanto o meu cérebro pede contenção. Sou adulto e como adulto que sou vou manter os pés no chão e agir de forma racional, aliás a mesma forma feminina de resolver as coisas depois dos trinta. Ah como eu tenho saudades da forma apaixonada como os mais novos resolvem as coisas sem as merdas da segurança, ou “o melhor pai para os meus filhos” ou qualquer outro critério hipócrita. A noite está podre, a sociedade está podre, cheia de hipocrisia e situações ridículas. Mulheres de meia-idade, com vidas de merda, vagueiam tipo vampiras em busca de homem não que lhe dê amor mas que lhe dê conforto, jantares e diversão. Existe uma palavra para isto mas eu nem ouso dizê-la mas sinto-a, sinto-a em todas as glândulas da minha língua. Engate podre, porco e patético, numa disponibilidade sem pudor. A sociedade é uma podridão mas eu não vou pactuar com isso, não vou ceder, não vou ser mais um no sistema de interesses e uniões por conveniência. Termino com outra pérola feminina do fim-de-semana, quando contei com vergonha e desgosto o que me tinha transtornado, uma amiga, com a maior calma do mundo explicou-me: “nascer pobre é azar, casar pobre é estupidez, quando já se passou dos 30 e a vida ainda nos é difícil, nada como apelar à disponibilidade e à beleza que ainda se tem para se poder viver”. Perguntei-lhe estupidamente “então e o amor?”, ela sorriu e disse-me: “isso é para quando se está entre iguais e normalmente aparece aos 20 e morre com a inocência”. Odeio a sociedade, mas que seja. Eu ainda acredito nas emoções, ainda acredito que é possível ficar com alguém para sempre por amor e recuso-me a “gozar o verão” numa patética montra nocturna. Viva o amor, abaixo a sociedade, as amigas encalhadas e a racionalidade feminina.