Algures num avião
Sentado no banco de trás do avião não pude deixar de reparar naquele casal. Ele de casaco azul com botões dourados, camisa encarnada às listas e calças chino de cor safari, culminava o conjunto com uns sapatos vela castanhos e um fio de prata discreto por dentro dos botões semiabertos da camisa. De cabelo com gel preto a cara já marcada por grandes almoços escondia dois olhos castanhos-escuros bem guardados por duas sobrancelhas carregadas e farfalhudas. Ela era singela. Com um vestido verde água, bem cintado e com um decote generoso deixando a sonhar o mais distraído dos homens. As costas desnudadas lançavam raios de sedução por toda a cabine e nos pés uns sapatos provocantes com um belíssimo salto de agulha. No pulso um relógio discreto nos mesmos tons que o finíssimo fio que lhe adornava o pescoço. O cabelo, de um castanho aloirado combinava na perfeição com uns magníficos olhos verdes que inundavam o avião de luz. Os seus lábios carnudos faziam adivinhar beijos quentes, dados algures no mediterrâneo, sob um sol cúmplice e abrasador.
Olhando para os dois notava-se um certo distanciamento. Ele preocupado em manter um status já há muito perdido e ela concentrada em tentar ser feliz, procurando nos pormenores aquilo que não recebia nos restantes momentos. Até na escolha das bebidas estavam em patamares distintos, ele com o seu whisky a tentar marcar uma aristocracia que decididamente não existia e ela com um sumo de laranja com apenas uma pedra de gelo, refrescante, íntimo e doce. O voo estava calmo, sem grandes oscilações nem preocupações e por isso pude concentrar-me neles. De repente, talvez por volta do Equador, ela deu-lhe a mão num toque discreto e suave mas marcado de intenção. De forma fria ele não se apercebeu e não deixou de tirar os olhos da assistente de bordo que com menos 20 anos que ele falava com uma passageira três filas mais à frente. Era ridículo, mas acho que todos os homens o são mais tarde ou mais cedo. Ela no entanto mantinha-se serena, como se a sua segurança fosse algo adquirido por anos e anos a saber-se especial. Lançou o cabelo para trás, perfumando a minha fila e desviou o olhar para a janela onde as nuvens serviam agora de cama ao nosso avião.
Depois de mais umas horas em silêncio e de alguns desencontros nos olhares uma voz metálica veio interromper o sono que se fazia sentir. Era o comandante. Num inglês hilariante, digno de um prémio de humor, anunciou o início do processo de aterragem. Lá em baixo algumas casas e muito verde começavam a surgir no horizonte. O avião abanava agora um pouco mais e ela procurava no seu braço o conforto que a cadeira não lhe dava. De forma inexplicável ele continuava sem a sentir. Senti vontade de me levantar, de o abanar de forma firme e de lhe fazer ver a tristeza que ela espelhava nos olhos, mas não podia, não o devia e definitivamente não o iria fazer. Com as asas bem abertas e as rodas apontadas para baixo, descemos rapidamente numa aproximação perfeita e sem sobressaltos. O embate na pista fez-se com pompa e a travagem projectou-me na direcção do seu perfume. Era sem dúvida de uma classe inquestionável, um charme afrodisíaco. Tiramos as malas e descemos do avião. Já no terminal, enquanto aguardávamos a chegada do nosso transporte, ele puxou de um charuto, gasto e de baixa qualidade, e acendeu-o molhando-o sem o mínimo jeito. Ela, visivelmente incomodada, manteve-se ao seu lado, como desde o primeiro dia, mostrando todo o carinho que ainda sentia por ele. O calor era insuportável, e a humidade marcava a roupa no corpo de todos. Ele abriu ainda mais a camisa, mostrando os poucos pelos que de dentro nasciam. Ela manteve a pose, mostrando uma classe ímpar. Afastei-me para o meu carro e lembro-me de pensar como às vezes a vida juntava pessoas tão diferentes. Olhei uma última vez para eles e não pude deixar de sorrir ao ver a forma terna como ela, sem ele se aperceber, lhe deu a mão.
Olhando para os dois notava-se um certo distanciamento. Ele preocupado em manter um status já há muito perdido e ela concentrada em tentar ser feliz, procurando nos pormenores aquilo que não recebia nos restantes momentos. Até na escolha das bebidas estavam em patamares distintos, ele com o seu whisky a tentar marcar uma aristocracia que decididamente não existia e ela com um sumo de laranja com apenas uma pedra de gelo, refrescante, íntimo e doce. O voo estava calmo, sem grandes oscilações nem preocupações e por isso pude concentrar-me neles. De repente, talvez por volta do Equador, ela deu-lhe a mão num toque discreto e suave mas marcado de intenção. De forma fria ele não se apercebeu e não deixou de tirar os olhos da assistente de bordo que com menos 20 anos que ele falava com uma passageira três filas mais à frente. Era ridículo, mas acho que todos os homens o são mais tarde ou mais cedo. Ela no entanto mantinha-se serena, como se a sua segurança fosse algo adquirido por anos e anos a saber-se especial. Lançou o cabelo para trás, perfumando a minha fila e desviou o olhar para a janela onde as nuvens serviam agora de cama ao nosso avião.
Depois de mais umas horas em silêncio e de alguns desencontros nos olhares uma voz metálica veio interromper o sono que se fazia sentir. Era o comandante. Num inglês hilariante, digno de um prémio de humor, anunciou o início do processo de aterragem. Lá em baixo algumas casas e muito verde começavam a surgir no horizonte. O avião abanava agora um pouco mais e ela procurava no seu braço o conforto que a cadeira não lhe dava. De forma inexplicável ele continuava sem a sentir. Senti vontade de me levantar, de o abanar de forma firme e de lhe fazer ver a tristeza que ela espelhava nos olhos, mas não podia, não o devia e definitivamente não o iria fazer. Com as asas bem abertas e as rodas apontadas para baixo, descemos rapidamente numa aproximação perfeita e sem sobressaltos. O embate na pista fez-se com pompa e a travagem projectou-me na direcção do seu perfume. Era sem dúvida de uma classe inquestionável, um charme afrodisíaco. Tiramos as malas e descemos do avião. Já no terminal, enquanto aguardávamos a chegada do nosso transporte, ele puxou de um charuto, gasto e de baixa qualidade, e acendeu-o molhando-o sem o mínimo jeito. Ela, visivelmente incomodada, manteve-se ao seu lado, como desde o primeiro dia, mostrando todo o carinho que ainda sentia por ele. O calor era insuportável, e a humidade marcava a roupa no corpo de todos. Ele abriu ainda mais a camisa, mostrando os poucos pelos que de dentro nasciam. Ela manteve a pose, mostrando uma classe ímpar. Afastei-me para o meu carro e lembro-me de pensar como às vezes a vida juntava pessoas tão diferentes. Olhei uma última vez para eles e não pude deixar de sorrir ao ver a forma terna como ela, sem ele se aperceber, lhe deu a mão.
1 Comments:
or vezes, também fico a observar as pessoas e a ver ou imaginar gestos e estórias.
Beijos
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