Tuesday, August 01, 2006

A morte do Eu

Peguei na caneta ainda com a mão a tremer. Parecia que toda a raiva do mundo se tinha abatido sobre mim e destruído a minha alma. Os meus sonhos, as minhas ilusões, as minhas mais profundas crenças, estavam dilaceradas por uma realidade cruel e fria que me cortava sem piedade e me mostrava o lado mais negro do mundo. Apontei a ponta para o papel e procurei dentro de mim algum sentimento que ainda respirasse para o partilhar. Nada, um vazio de emoções enchia-me o peito, pressionando as costelas contra a carne partindo-me os ossos impedindo-me de respirar. A dor é imensa, indescritível. A pele arde-me como se por mil fogos fosse consumida, a própria carne me dói pelo simples facto de tocar nos ossos e os tendões partem-se em cada movimento que faço.

As lágrimas caiem-me agora sem controlo pela cara abaixo, morrendo nas minhas mãos frias e desnudadas, prostradas sobre um corpo que já não ousa sentir. Sinto raiva por chorar, sempre achei que não se deve chorar por motivos que não merecem tal demonstração de emoções. Limpei a cara com o pulso e segurei os cabelos com os dedos já doridos de tanto tremer. As pernas pesavam-me agora toneladas, causando um peso enorme sobre os meus pés que lutavam por se manterem direitos. Tudo à volta perdeu a cor, todos os sorrisos se apagaram, todos os beijos se secaram e todas as emoções morreram num deserto onde apenas a dor e hipocrisia sobreviviam. No ar uma sensação de vazio, de descrédito, de total incredibilidade, não queria aceitar nas frases que ecoavam na minha cabeça, “goza o Verão!”, prefiro nem comentar com medo de todas as ordinarices que provavelmente a minha boca produziria e que não fazem parte do meu ser. Que baixo, que tão estupidamente baixo.

Do alto de tudo oiço os sons que à volta timbres amigos sussurram e recuso-me a acreditar. Se a vida é assim então seja. O que interessa é mesmo dinheiro, glamour, aparências, festas e diversão! Sentimentos? Que é isso? Para que servem? A minha voz explode com a raiva enquanto o meu cérebro pede contenção. Sou adulto e como adulto que sou vou manter os pés no chão e agir de forma racional, aliás a mesma forma feminina de resolver as coisas depois dos trinta. Ah como eu tenho saudades da forma apaixonada como os mais novos resolvem as coisas sem as merdas da segurança, ou “o melhor pai para os meus filhos” ou qualquer outro critério hipócrita. A noite está podre, a sociedade está podre, cheia de hipocrisia e situações ridículas. Mulheres de meia-idade, com vidas de merda, vagueiam tipo vampiras em busca de homem não que lhe dê amor mas que lhe dê conforto, jantares e diversão. Existe uma palavra para isto mas eu nem ouso dizê-la mas sinto-a, sinto-a em todas as glândulas da minha língua. Engate podre, porco e patético, numa disponibilidade sem pudor. A sociedade é uma podridão mas eu não vou pactuar com isso, não vou ceder, não vou ser mais um no sistema de interesses e uniões por conveniência. Termino com outra pérola feminina do fim-de-semana, quando contei com vergonha e desgosto o que me tinha transtornado, uma amiga, com a maior calma do mundo explicou-me: “nascer pobre é azar, casar pobre é estupidez, quando já se passou dos 30 e a vida ainda nos é difícil, nada como apelar à disponibilidade e à beleza que ainda se tem para se poder viver”. Perguntei-lhe estupidamente “então e o amor?”, ela sorriu e disse-me: “isso é para quando se está entre iguais e normalmente aparece aos 20 e morre com a inocência”. Odeio a sociedade, mas que seja. Eu ainda acredito nas emoções, ainda acredito que é possível ficar com alguém para sempre por amor e recuso-me a “gozar o verão” numa patética montra nocturna. Viva o amor, abaixo a sociedade, as amigas encalhadas e a racionalidade feminina.

4 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Não vislumbras nem um pouco o orgulho que senti em ti ao ler este texto.
Lutei muito ...
Sofri muito ...
A serem verdade estas palavras, faria tudo de novo só para ver que afinal valeu a pena!
Simplesmente Eu.

21:00  
Blogger Pitucha said...

Momentos há em que a dor é mais forte do que tudo!
Beijos e parabéns pelo texto

07:37  
Blogger 125_azul said...

O texto é belíssimo. E ainda bem que continuas a acreditar. A vida fica tãomais bonita quando se acredita... ainda que seja só um pouquinho. Beijinhos

21:05  
Blogger Catarina said...

Acredita!!! Há uma minoria que de facto "aproveita o Verão"... Mas eu acredito que a maioria se sente realmente feliz quando sente... quando sente verdadeiramente...

17:16  

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