Wednesday, August 16, 2006

O meu mundo...será?

A chuva batia violentamente no pequeno vidro da janela. Nas últimas horas o tempo tinha mudado radicalmente como que adivinhando a minha partida e o meu estado de espírito. O barulho dos motores faziam agora sentir-se em todo o aparelho. Olhei à volta e visualizei de forma prolongada os meus três companheiros de viagem. Tínhamos passado longas horas juntos e nem mesmo as acesas discussões das últimas reuniões nos tinham tirado o sentido de humor. Alexandre (nome fictício que assenta no seu rosto que nem uma luva) ia na frente, quase colado à entrada da porta do piloto e com a cadeira rodada para trás tal como eu. Não nos importávamos de voar de costas e era mais importante olharmos para os nossos companheiros nos olhos. Do alto do seu metro e noventa e um, Alexandre transmitia segurança e tranquilidade. Ele era o homem responsável pela logística, conhecia aquela terra como ninguém e a sua missão era que nada faltasse para que o objectivo fosse cumprido. Tinha olhos pretos, tão escuros como a sua pele, marcada pelo sol e por anos e anos em África. Alexandre não era angolano, mas estava em Angola desde a revolução, tinha entrado com os cubanos e por lá tinha ficado.

À sua frente sentava-se o General, figura imponente, quase sempre fardado e que fazia valer a sua força através do peso das suas medalhas. Tinha 30 anos de combates no corpo e nada o parecia abalar. Era um homem reservado, calmo e com um timbre de voz que impunha respeito. Não admitia leviandades e a mim garantia-me segurança e a certeza de um trabalho bem feito. Nunca nos estivemos em desacordo e quando algo não nos agradava falávamos em privado e tudo ficava sanado. A única coisa que me fazia confusão era o seu gosto por armas e o seu hábito de ser sempre andar com uma, o que confesso me intimidou um pouco nas nossas primeiras reuniões.

Finalmente, na cadeira à minha frente sentava-se Nassim. Indiano nascido em Moçambique era o terceiro numa família de negociantes. Tinha uma habilidade natural para convencer as pessoas. É um homem alegre, sempre com um sorriso aberto e com um sentido de humor mordaz. Grande apreciador de comida oriental, fascina-se pelo luxo e opulência dos grandes restaurantes de Tóquio. Nas reuniões mantêm sempre o seu ar reservado atacando quando a presa parece estar já dopada. De copo na mão, divertia-se enrolando a gravata na ponta dos dedos.

Após a minha ronda pelos meus companheiros, voltei a concentrar-me na minha cadeira e em mim. Peguei no relatório daquilo que nos esperava e preparei-me para lê-lo abrindo-o sobre o meu colo. O nosso comandante anunciou a partida e o pequeno jacto fez-se à pista sobre um vento fortíssimo. Não era nada normal estas condições, em especial nesta altura do ano mas a concentração era tão grande que acho que nada nos afectava naquele momento. O resto da viagem não a posso partilhar, apenas dizer que voamos uma hora e um quarto para norte e aterramos numa pista improvisada que tinha mais buracos que a Calçada de Carriche. Minutos depois a reunião começava e tudo à volta desaparecia, mais uma vez estava no meu mundo e o mundo era meu.

2 Comments:

Blogger 125_azul said...

Parece-se com um mundo que foi meu, quando eu também voava num bimotor para ver elefantes a beberem no rio ao fim da tarde...
Grata por me fazres recordar um dos mundos que me habita!

20:22  
Anonymous Anonymous said...

Quem sabe não me mandas um sms a dizer ... "cheguei, não sei bem aonde, mas cheguei, mais tarde dou noticias!" eh eh eh
E tudo afinal se passa no mundo que é de todos nós.
Beijos e boa sorte.

01:56  

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