Sunday, October 15, 2006

Lágrimas em África

Nesta viagem a Angola tenho muitas histórias, muitos momentos, muitas emoções. Hoje partilho uma que me fez vir ao computador do hotel às 2h da manhã. No regresso hoje a Luanda, vindo de Benguela e do Lobito fiz 700km por uma estrada algures no meio do mato. Um pouco depois do meio da viagem, no meio do nada surgiu um pequeno contentor onde algumas mesas e pessoas indicavam ser um local de descanso bem ao estilo de África. Paramos o jipe e contrariando o recomendado resolvi sair. Abri a porta e pisei aquele solo meio com lama meio terra e encarei a noite de frente. Estava escuro e não se via nada a não ser que fosse iluminado. Confesso que não senti medo mas a imagem de ser branco naquele local provoca respeito. Do meio das pessoas um grupo de crianças, talvez umas 10 ou 12 correu para nós e com uma voz desinibida pediram para lhes tirar uma foto. Juntei-me a eles numa autentica festa e a foto foi tirada. Quando saí do carro estava a comer batatas fritas e tinha ainda algumas na mão, resolvi abrir a mão e ofereci às crianças. Os seus olhos abriram-se e estenderam as mãos aguardando o meu gesto. Não foram mal educados, não tiraram as batatas nem guerrearam entre eles, ficaram a olhar para mim e a aguardar a minha oferta. Distribui as batatas e olhei para o sorriso deles enquanto as comiam. Voltamos para o carro e abri a baixei o vidro fumado para que me pudessem ver. O sorriso deles era aberto, sincero e correram ao lado da minha porta enquanto puderam e afastaram-se a dançar e a dizer adeus. Já no silêncio do carro, fechei o vidro e olhei à volta. Tinha batatas fritas, uns 4 pacotes, tinha bolachas, tinha pastilhas, tinha salcichas, tinha tanta coisa e só tinha partilhado uma mão de batatas. Aquelas crianças tinham ficado felizes. Por momentos lembrei-me de todo o sofrimento de um povo, da miséria que me habituei a virar a cara enquanto cá estou, da fome que não quis ver e lembrei-me do que tinha cá vindo fazer: negócio. Nos últimos dias tenho discutido projectos, contratos e investimentos no valor de milhões de dólares e com 20 centimos de batatas tinha ganho 12 sorrisos. Que egoismo, que vergonha é esta que sinto. Como é que podemos discutir milhões e não pensamos em ajudar as pessoas? Num turbilhão de emoções coloquei o IPod nos ouvidos, carreguei no play e mal a música começou a brindar-me chorei. Horas depois e antes de escrever este texto sentei-me a uma mesa de reuniões já no meu hotel onde nada falta a fechar os pormenores do negócio. No final da noite as condições estavam acertadas e amanha parto para Portugal com os contratos na bagagem, mas hoje quando for para a cama é no sorriso daquelas crianças que vou pensar e muito provavelmente vou chorar outra vez.

2 Comments:

Blogger Marta Vinhais said...

Eu sei..compreendo...
Esses sorrisos valeram muito mais do que qualquer negócio, não é??
Ainda mais valiosos porque foram dados de coração.
Beijos e abraços
Marta

21:38  
Blogger Pitucha said...

Em África repensamos todas as nossas prioridades e ficamos a achar que levamos uma vida oca de sentimentos, não é?
Beijos

07:35  

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