Tuesday, September 26, 2006

Orgulho lusitano

O início da viagem a partir de Braga faz-se por uma pequena estrada entre vilas e montes, ladeada por verde e por riachos que se cruzam no caminho calcorreando pontes e margens. Os quilómetros não são muitos mas a beleza que nos envolve quase que nos obriga a rodar mais devagar para apreciar paisagens tão únicas. É um profundo envolver com a natureza naquilo que ela tem de melhor. Em torno de uma estrada peculiar e atraente, montanhas imponentes mostram a sua força através do cinzento das suas rochas. Pedras enormes, impressionantes ao olhar, que dominam toda a paisagem dando ao viajante a sensação de tranquilidade, paz e pequenez que habitualmente as montanhas e os vales oferecem a quem os percorre.

Ao fim de quase trinta minutos deparamo-nos com um grupo de senhoras, não teriam mais de 70 anos o que as colocava nas mais novas da aldeia, uma espécie de elite juvenil de tão distantes paragens. Questionamos sobre a distância para o nosso objectivo e a resposta foi arrasadora: “Vêem ao fundo aquele monte, sim esse o último monte, é esse!”. Continuamos entusiasmados com a ideia de termos de subir todos aqueles montes até chegarmos ao nosso e com atenção aos telemóveis para ver quando é que a rede passava a falar castelhano. Finalmente, na saída de uma pequena mas apertada curva surge no lado direito da estrada, sobre todo o vale e olhando de alto o Portugal que a sul se estende, o restaurante que nos haveria de receber como convidados. Era um edifício perfeitamente enquadrado com o cenário de madeira escura e pedra granítica, cortada por mãos experientes e colocada ali com total cuidado e dedicação. A entrada era moderna personalizada numa porta de vidro protegida apenas por uma pequena peça metálica que servia de maçaneta. A sala estendia-se ao comprido numa parede de vidro que deixava entrar aquilo que os nossos olhos mais queriam ver, a paisagem. Era magnânime, todo aquele cenário era de tirar a respiração e mesmo que a comida não fosse aquilo que os nossos estômagos, já cansados precisavam, já tinha valido a pena.

Pouco depois de nos sentarmos, um empregado aproximou-se e começou por servir as bebidas. As curvas do caminho tinham aberto a sede e a região tinha muito para oferecer. Ainda esse não tinha terminado e já outro fazia as honras da casa servindo as leves entradas que a casa se orgulhava de apresentar. Após o tradicional pão e broa e as famosas azeitonas pretas, levemente calcadas, surge-nos aos olhos dois pratos com um aspecto perfeitamente delicioso. De um lado umas pataniscas típicas lusitanas, feitas do nosso melhor bacalhau e que luziam sobre a fina toalha branca num tom dourado e apelativo. Do outro lado, num pequeno prato alto um conjunto de cubos de rojões, acompanhados por um molho de azeite e especiarias que lançava no ar um odor a tentação. Escusado será dizer que nos atirámos como leões a tão especiais iguarias e apenas descansamos quando apenas restavam os caroços das azeitonas. Nunca tinha comido rojões como entradas, talvez nem tivesse, até aquele dia, concebido a ideia, mas o que é certo é que me lambi até à última gota de molho.

Já de estômago bem composto e a necessitar de algum descanso, somos presenteados pelos pratos principais, no meu caso a famosa posta barrosã. Olhei para o prato e os meus olhos ficaram inundados pela aquela visão. Um naco de carne que ocupava todo o prato de uma altura assombrosa e de aspecto delicioso. Lancei-lhe a faca e qual manteiga cortou de um lado ao outro sem o menor esforço, fazendo os meus lábios molharem-se de gula. Nesse momento pequei, confesso que sim, mas era inevitável, todo aquele cenário, o serviço e o ambiente, tudo aquilo se tinha fundido naquela garfada de carne. Coloquei-a na boca e deixei-a derreter sobre a língua, saboreando de forma suave o molho suculento que a leve pressão dos dentes libertava. Fechei os olhos e consegui efectivamente imaginar-me longe dali, num qualquer lugar distante com o sol na minha face e um toque quente e reconfortante que percorria todo o meu corpo. Limpei o prato sem grandes hesitações, a cada garfada, os meus olhos reluziam com mais força, num azul como eu até aí não tinha visto.

No final de tão fantástica batalha encostei-me para trás, rodei a cabeça para o vale e sonhei. Toda aquela paisagem a meus pés após aquele repasto deixara-me rendido. Ainda eu não tinha recuperado da batalha e já outro empregado, de uma delicadeza extrema, se aproximou e convidou-nos a provar as sobremesas. Quase por instinto aceitei, um buffet de sobremesas, que melhor final poderia haver para toda aquela aventura gastronómica. Deixei-me surpreender pela escolha do restaurante e fui presenteado por quatro ofertas calóricas de elevado grau de satisfação. A que mais gostei era uma mistura entre bolo de bolacha e molho de ovos e natas. Não consegui identificar o doce mas lambi-me até à última colherada. De estômago cheio e já com o corpo a pedir uma pausa e até um repouso pousamos as mãos e os olhos no café entretanto servido. O silêncio era agora rei na mesa, como se o simples acto de contemplação fosse o ponto de união de todo aquele momento. Foram segundos de união entre a alma e a montanha, entre o mais intimo de mim e o mais profundo de Portugal.

Nesta história a conta é o que interessa menos mas para os mais curiosos garanto que é uma agradável surpresa, sendo perfeitamente aceitável perante o fantástico servido, a magnifica comida e a exclusividade da paisagem. Efectivamente não se podia pedir mais. Recomendo apenas um último gesto, um pequeno passeio pelo bem cuidado deck de madeira que se entende desde o vidro do restaurante até ao início da montanha. O caminho de regresso sugiro que o façam pela continuação da estrada passando por cima da barragem, uma obra do tempo do Estado Novo e que provoca na paisagem imagens únicas e onde podemos deliciarmo-nos com o magnifico lago que origina, numa intervenção em que o Homem teve em atenção a natureza, enquanto perseguia os seus interesses. O resto do caminho serpenteei-a entre vilas e montanha, sempre acompanhado pelo verde das árvores e por pequenos parques que nascem no caminho dando ao viajante momentos de descanso e reflexão.

Às vezes temos tendência em elogiar tudo o que vemos lá fora, e ignoramos toda a beleza que a Graça de Deus nos concedeu. O Geres, as suas estradas, as suas montanhas e as suas gentes, são motivo de orgulho nacional, são motivo para uma visita e acima de tudo motivo para deixarmo-nos perder pelo o interior de nós próprios. Depois de tudo o que vi acho que O Abocanhado é uma excelente desculpa para tudo isto e não fosse a distância que separa Lisboa de todo aquele paraíso natural, tenho a certeza que teriam a minha visita mais vezes. Fica o convite, cheio de orgulho lusitano, de peito inchado por tudo o que é nosso e de estômago reconfortado pela magnífica comida do norte.

Restaurante O Abocanhado – Lugar de Brufe, 4840-020 Terras de Bouro
Telefone – 253 352 944
http://www.abocanhado.com

1 Comments:

Blogger Maria said...

Como estou perto vou aceitar o convite...

00:23  

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