Thursday, April 27, 2006

Mãe


É tarde, a escuridão da noite invade a sala onde meio despido descanso as minhas mãos sobre um teclado já gasto por longas horas de desabafos e partilhas. O Cd toca uma música de tempos idos num volume baixo, como com medo que eu oiça. Preparo uma bebida, sem gelo, nunca ponho gelo, dá cabo do sabor. De copo na mão e olhar perdido na parede deixo voar livremente os meus pensamentos. A música toca agora mais alta conduzindo a batida do meu coração que pede agora licença ao peito para se fazer ouvir. Sinto o sangue das veias engrossar à medida que o cantor partilha a sua dor. Dou um trago, não muito apenas molho os lábios e vagueio os olhos por molduras penduradas na minha imaginação. Sem querer sorrio, de olhos bem fechados como se tivesse medo que aquelas imagens me deixassem, mantenho-me em silêncio numa sala enorme só para mim e que foi pequena para dois.

O som de uma nova mensagem faz-me acordar e viro a minha atenção para um telefone que jaz quieto no meu colo. Não vejo quem é, seja quem for eu hoje sou engano. Lembro-me de palavras sábias da minha mãe, da festas que com carinho me dava e dos seus abraços. A sua imagem dá-me força e faz-me soltar uma lágrima. Quando penso em tudo o que já me aconteceu e depois olho para a força dela só posso continuar a lutar. É uma mulher fantástica, acho que nunca lhe disse isto nos olhos, talvez nunca o vá dizer mas é a minha inspiração. Só Deus sabe o que já sofreu, por ela e por todos nós. Deu a vida dela pelos filhos e por cada lágrima que lhe damos responde com um sorriso. Sinto que me beija cada vez que respira e sonha com os filhos cada vez que dorme. Nada que eu possa fazer alguma vez vai poder alcançar toda a grandeza dela. O pouco que sou hoje devo-o a ela, pelo seu carinho, pela sua força, por tudo o que me ensinou, pelos abraços que me deu, os seus beijos sempre ternos e o seu sorriso que nunca me foi negado mesmo nos momentos de dor.

Não sou católico mas rezo para que Deus nunca a leve. Ao escrever estas linhas os meus olhos traem-me. O ecrã fica embaciado por lágrimas que não contenho mas que em nada me envergonham. Ah como lamento que só ao fim de 30 anos se sinta aquela vontade única de estar com ela, as noites que a deixei preocupada por uma namorada qualquer, e as tardes que lhe neguei por um amigo de ocasião, os beijos que não lhe dei e os abraços que lhe neguei. Às vezes penso: será que ainda vou a tempo? Ainda hoje, cansada, doente ela dá tudo o que tem todos os dias e nós nem reparamos no seu sorriso por apenas receber um beijo.

Nunca serei mãe na vida mas amo a minha e por mais anos que viva não lhe vou dizer isto as vezes suficientes, não lhe vou agradecer as vezes suficientes, não a vou acarinhar as vezes suficientes. Já com o copo vazio limpo as lágrimas e relativizo toda a minha dor, mais uma vez foi ela que me ajudou e me mostrou que há dores maiores e quando tudo falha, quando tudo magoa tenho sempre o seu colo onde me esconder. Talvez falhei, talvez não, talvez tudo mas fui feliz e nos seus braços sempre tenho um sorriso porque ela é minha mãe e eu sou seu filho e isso nem Deus há-de mudar.

2 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Não há amor mais puro, mais verdadeiro, do que o amor de mãe.O amor que dá sem medida, sem exigir nada,que ama mesmo quando não merecemos.Também tenho o privilégio de ter esse amor e isso faz-me sentir feliz e agradecida.Às vezes reclamo tanto da vida,e esqueço que tenho muita sorte!

23:30  
Blogger Pitucha said...

Como se diz, quem tem uma mãe tem tudo, quem não a tem não tem nada!
Beijos

23:32  

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