Monday, April 17, 2006

A morte de um filho

Quero sentir o teu vento na minha cara, nessa estrada que me fizeste percorrer, sem destino, sem origem, apenas um cheiro que me guia e me orienta pelo meio do nevoeiro cerrado e perfumado. Não te vejo, tenho dias em que já nem te sinto mas continuo a caminhar com a esperança de um inocente e com o sorriso de uma criança por esse caminho que para mim traçaste e que cumpro diariamente sem questionar. Não sei o que me continua a motivar, procuro uma míngua prova de ti em todas as árvores das bermas, em cada curva e em cada lomba. Revejo-te em cada carro, em cada face que comigo se cruza mas em todas elas tu te afastas e conduzes para longe.
Gostava de poder respirar o teu ar, tocar no teu rosto com aquele carinho especial de quem toca um filho. A vida levou-te para longe e por mais que caminhe não chego perto. Será Deus que não deixa? Será o meu destino caminhar sem direcção, sozinho, perdido na vida, numa vida sem sentido que se desorientou quando partiste? Tenho esperança, grito a minha esperança em voz alta, num uivo longo e sofrido, que tento que chegue até ti, longe, muito longe, onde os anjos brincam e as nuvens se acomodam.
Sei que um dia vou voltar a sentir a tua presença, vou poder tocar na tua mão e beijar a tua testa. Não consegui proteger-te da vida, falhei, não te dei a segurança que evitasse a tua ida e tu foste, partiste de mim e deixaste-me sozinho. Não há dia em que não sonhe com esse pesadelo. Os animais escondem-se à minha passagem e a estrada vai ficando estreita e escura à medida dos meus passos. Estou cansado, estou extremamente cansado. Exausto caminho pela berma, com os olhos molhados pela emoção e dor que me crucifica o peito e amarra os movimentos. A raiva da injustiça invade-me, a cólera cega-me e desfaço as roupas que me protegem porque a pele queima e os ossos estalam de dor. Não quero sofrer mais mas sei que enquanto não te encontrar não vai existir minuto na terra em que terei paz. Deus não deveria permitir Invernos eternos porque a dor da escuridão mata sem nos impedir de respirar. Um dia iremos nos encontrar, no fundo desta estrada irei de novo abraçar-te e choraremos de alegria enquanto eu mato saudades do teu rosto que está para sempre gravado no meu pensamento numa tatuagem de sangue. Até esse dia, até esse dia vou respirando.

1 Comments:

Blogger Catarina said...

Na senda das metáforas... É um texto muito bonito, meu caro... Sentido. Espero que tenha sido um bom escape.

23:21  

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