Saturday, April 08, 2006

Pedido a Deus


Em Dezembro passado escrevi um dos textos mais duros que alguma vez as minhas mãos produziram. Reflectia um momento dificil com origem em problemas estruturais da minha vida. Durante estes três meses achei que esse texto não fazia sentido, tinha deixado de fazer sentido até à noite de ontem. Ontem caí ao chão de uma altura que não consigo calcular. Todos os meus sonhos, esperanças e emoções morreram em mim com uma crueldade que ainda não tinha sentido. Sei que vou continuar a viver e a lutar mas nunca como ontem, nunca como hoje, as palavras que escrevi em Dezembro fazem tanto sentido. Por isso quero partilhá-las aqui como quem partilha uma dor ou um luto, na esperança que tal como na quaresma também eu possa ressuscitar.
Há pouco passeava eu por um centro comercial quando dei por mim a vaguear pelo Natal, o que é o Natal? Para que serve? E de onde vêm este espírito? Não pretendo chegar a nenhuma conclusão apenas ocupar a minha cabeça já cansada de tanto pensar. Olho para o lado e vejo o sorriso das crianças, os pais que correm de loja em loja, os amigos que bebem café de barrete na cabeça e tudo porque? Haverá mesmo magia no ar. Decido perguntar a Deus o que é o Natal e ele diz-me no toque de alma que é uma altura de celebração da vida, da paz e do amor, uma altura de desejos e de sonhos e um momento de felicidade. Baixo os olhos fazendo-os morrer no chão. A minha pele estala de seca, uma secura que a vida me impôs e que a morte não me irá aliviar. Todas aquelas palavras, aqueles sorrisos, aquela música e eu não sinto!! As lágrimas correm-me agora pela face como sangue rasgando a carne à sua passagem. O simples respirar dói-me. O ar sabe-me a cinzas de um tabaco estragado que me arranha a garganta e que desce até aos pulmões de forma fria como se de um cinzeiro perdido num qualquer consultório se tratasse.

Celebração da vida disse Ele, como posso eu celebrar algo que não sinto. Consigo sentir o coração a bater, consigo sentir o ar mas será que realmente vivo? Paz?? Qual paz?? Fechar os olhos no silêncio tornou-se sinónimo de tortura, de raiva, de desgosto e de dor. Odeio a almofada e toda a cama que lhe serve de caixão e desdenho os sorrisos que a vida de forma cínica e cruel me dá num amarelo nojento de emoções falsas e desprendidas. Quanto ao amor prefiro nem falar, se os homens amam desta forma eu prefiro não ser amado, se amor é isto eu prefiro o ódio, se amor aquece eu prefiro o frio. Odeio a vida Deus, odeio a sociedade e as pessoas que rastejam nela. Deus, a vida cuspiu-me na cara e sabes uma coisa eu cuspo-lhe de volta. Olhos nos olhos cuspo-lhe de volta.

Deus falaste-me em desejos e sonhos, Deus falaste-me de sonhar, será que ainda sei sonhar? Sonhava em sorrir de forma verdadeira, sentida e honesta, sonhava poder andar pelo mundo e sorrir e receber um sorriso de volta, gostava de sonhar que tudo era realidade e que aquilo que nos dão não é mais que uma ilusão barata feita de papel que se rasga e queima ao primeiro sinal de prazer nosso. Desejos Deus, queres que eu peça um desejo? Tinha tantos quando nasci, lembro-me como tinha a força da vida, nada me podia parar e desejava, desejava tanto que não tinha espaço no peito para tantos desejos. Sim Deus eu tenho um desejo, aliás tenho dois, desejo que me tivesses ouvido quando chamei por ti, que me tivesses dado atenção, que me tivesses guiado e tivesses guiado os outros para que os meus desejos, aqueles puros de criança inocente não tivessem sido destruídos. Não te culpo, tens um mundo inteiro para ouvir, tens a mãe com o filho doente, as crianças que morrem de fome em África porque alguém destrói alimentos algures no mundo para que os preços não baixem, tens milhões de coisas. Sabias que a tua terra está doente? Sabias Deus que o teu mundo é mau? Queres desejos? Aqui vai um desejo, um último desejo, desejava ter forças Deus, forças entendes, gostava que me desses forças como nunca deste nem ao melhor guerreiro, as forças que tu não dás nem às mães para terem um filho, aquela força divina que separa o homem da sua alma. Gostava de ter força Deus, força imensa para me deixar morrer e aí teria paz, aí talvez alguém celebrasse a minha vida, aí existiria amor porque quem ama não deixa sofrer e Tu, Tu que Te intitulas meu pai deixas-me chorar sangue todos os dias. Queres um desejo Deus? Eu só queria um sorriso.

Natal, 2005

2 Comments:

Blogger Catarina said...

O sorriso vem das coisas mais simples da vida: dum olhar, duma palavra, duma paisagem, dum cheiro, duma recordação... Liberta-te dessas condicionantes negativas e vais ver como é bom sorrir... sorrir de boca escancarada.

23:34  
Anonymous Anonymous said...

Isso era no Natal, pentence ao ano passado, já foi há muito tempo, agora estamos na primavera, os passarinhos fazem os ninhos .... já é tudo muito diferente.

00:51  

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